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Tenor Roberto Alagna não convence
ANDREA LOMBARDI
especial para a Folha
A gravação do tenor francês Roberto Alagna dedicada ao gênero
popular da serenata napolitana
não convence. Talvez o erro seja
nosso: não conseguimos mais escutar música napolitana sem preconceito.
Embora Alagna seja delicado, e o
acompanhamento realizado pelos
irmãos ao violão, elaborado, o disco como um todo não consegue
afastar uma certa impressão de
kitsch.
"Serenades" (EMI, 1997) é o título que reúne 21 peças, dentre as
quais 14 canções napolitanas, em
que o tenor reinterpreta, entre outros, clássicos como "O Sole Mio,
Torna a Surriento, Fenesta ca Lucive".
Por muitos já considerado o
quarto na escala mundial (naturalmente depois de Pavarotti, Carreras e Plácido Domingo), o tenor
Roberto Alagna é produto de uma
formação autodidata.
Começou como violonista e
compositor de música popular e
teve sua performance apresentada
por longo tempo em cabarés na
França, até ganhar, em 1988, o
prestigioso concurso Pavarotti
(Filadélfia, EUA).
O propósito de Alagna de homenagear seus ancestrais (ele é neto
de imigrantes sicilianos, como
gosta de enfatizar) com certeza é
sincero; sua interpretação pode
ser considerada correta, sem pretensões, comedida, substituindo,
por exemplo, bandolins plangentes por violões, algo mais correto
do que os exageros a que chegou,
interpretando em parte as mesmas
canções, Luciano Pavarotti.
Kitsch
Mas o fato de essa gravação
constituir uma mistura de serestas
napolitanas com serenatas de ópera (de Leoncavallo, Bizet, Rossini
e até uma canzonetta do "Don
Giovanni", de Mozart) é a própria
confirmação do kitsch: "Uma comunicação que intenciona a provocação de um efeito já previsto",
como definiu Umberto Eco, o supra-sumo do déjà vu.
É uma pena, pois existe uma ingenuidade e uma leveza nas letras
de algumas dessas serenatas (menos na melodia e no acompanhamento), que mereceria uma atenção maior: os diminutivos e a elegância típica do dialeto napolitano
se perdem, um pouco pelo sotaque forçado de Alagna, um pouco
pela própria dificuldade de entender o texto, como na famosíssima
e bombástica "Torna a Surriento", cuja imagem de que o sentimento "scetato o fa sunnà"
(acordado o faz sonhar) lembra
um pouco o devaneio como descrito por Freud.
Entretanto, Alagna com sua interpretação valoriza a deliciosa
"A Vucchella" (A Boquinha), cuja tradução parece inevitavelmente fadada a confirmar o kitsch: "Si
comm'a nu sciorillo/ tiene na vucchella/ nu pocorillo appassuliatella... Dammillo e pigliatillo/ Nu vaso piccerillo" (Você é como uma
florzinha/ com sua boquinha/ um
pouquinho murchinha... Dê cá e
pegue lá/ um beijo pequeninho).
O que em dialeto napolitano é
graça, em português soa como
derramamento sentimental.
Estereótipo
A canção napolitana, de fato,
evoca um estereótipo altamente
desgastado: a serenata noturna
para a amada, acompanhada de
bandolins, a sacada, o sol, o mar, o
luar e, no horizonte, o Vesúvio e
Capri.
A própria cidade de Nápoles
sempre atraiu o olhar do viajante
estrangeiro culto (de Montaigne a
Goethe, de Stendhal a Taine), que
viu nela o mito ainda vivo de uma
humanidade natural, autêntica,
pobre, mas astuta, cujo modelo
arcaico encontra-se já no "Decamerão", do escritor italiano Giovanni Boccaccio.
O contraponto à autenticidade
"napolitana" da serenata se dá,
aqui, pelo sutil jogo irônico na
canzonetta "Deh Vieni alla Finestra", do segundo ato da ópera
"Don Giovanni", de Mozart,
quando o protagonista, após ter
abandonado Elvira, a atrai novamente, apenas para fazê-la cair
nos braços de seu fiel criado Leporello.
Algo que nos faz lembrar que
por trás da suposta autenticidade
do napolitano, uma espécie de
bom selvagem moderno dentro do
coração da civilização ocidental,
está uma ficção, um equívoco produzido pelo desejo do próprio observador externo.
Talvez não seja um mero acaso
que, nesta cidade, a tradição do
melodrama tenha sido sempre
muito forte, no duplo sentido de
tradição operística e de exagero,
pura mise en scène.
Disco: Serenades
Intérprete: Roberto Alagna
Lançamento: EMI
Quanto: R$ 18, em média
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