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Última Moda
ALCINO LEITE NETO - ultima.moda@grupofolha.com.br
Guy Bourdin e os labirintos do inconsciente
Retrospectiva no Museu Brasileiro da Escultura,
em São Paulo, reúne 170 trabalhos do fotógrafo francês, um dos mais influentes
da moda
Fotógrafos de moda costumavam ser colocados de escanteio pela crítica e pelos museus.
Nas últimas décadas, movimentos recentes de opinião
buscam revalorizar o trabalho
de alguns deles, tentando apontar a arte contida em imagens
feitas em geral por encomenda,
seja para a publicidade, seja para revistas. No bojo desta reavaliação está a obra do fotógrafo francês Guy Bourdin.
Uma importante retrospectiva no MuBE (Museu Brasileiro
da Escultura), em São Paulo,
permite agora (re) descobrir
porque Bourdin é, com Helmut
Newton, o nome mais influente
da fotografia de moda da segunda metade do século 20.
O vernissage (para convidados) acontece hoje. A partir de
amanhã (até o dia 31), a exposição "A Message For You" (uma
mensagem para você) estará
aberta ao público, com 170 fotografias (sendo 100 polaroids)
e três filmes, realizados entre
os anos 1950 e 1990.
A curadoria internacional é
de Shelly Vertheime, que está
no Brasil para a montagem,
junto com o único filho de
Bourdin, Samuel (leia entrevista nesta pág.). A curadoria nacional é de Chico Lowndes, organizador do projeto Iguatemi
Photo Series, que já trouxe ao
país mostras dos fotógrafos David LaChapelle e Rankin.
O parisiense Bourdin (1928-1991) queria ser artista plástico.
Começou sua carreira como
desenhista e pintor. Sua primeira exposição foi apadrinhada por Man Ray. Pouco a pouco,
ele se encaminhou para a fotografia e tornou-se um dos nomes centrais da "Vogue" francesa, onde trabalhou por mais
de 30 anos. Suas imagens para
campanhas de grifes, como
Charles Jourdan, Chanel e Issey Miyake, revolucionaram a
publicidade de moda.
"Foi Bourdin quem trouxe o
sexo pela primeira vez como
elemento da fotografia de moda. Ele teve liberdade de fazê-lo, pois viveu numa época em
que não havia o policiamento
moral do politicamente correto. Sua obra influenciou vários
fotógrafos posteriores, como
Nick Knight", explica Lowndes.
Colorista notável, Bourdin
trabalhava com impactantes
contrastes. A construção das
imagens -volumes, linhas e
cortes- eram de um rigor a toda prova. Mas a principal novidade da obra do fotógrafo foi
seu imaginário, em boa parte
herdeiro dos surrealistas.
Suas fotos são como "narrativas" perversas, com provocações de todo tipo: situações em
que o glamour se mistura com o
perigo, o sexo com o humor, a
moda com o absurdo. As modelos surgem em posições inusitadas, desfalecidas ou em conexões estranhas com as coisas,
frequentemente erotizadas.
Os corpos são exibidos como
pedaços, objetos parciais ou
fraturados, em composições
que questionam o voyeurismo
contido na própria fotografia e
até mesmo a mercantilização
do corpo feminino. Em imagens ousadas, que causaram
forte impacto na época, Bourdin inventou situações extremas, com modelos que pareciam mortas ou surgiam em
ambientes de crimes e torturas,
evidentemente fantásticos.
Com Bourdin, a fotografia de
moda saiu, enfim, da idade da
inocência e descobriu os labirintos do inconsciente.
"Meu pai tinha grande amor pela história da arte", diz Samuel Bourdin
Perfeccionista e exigente,
Guy Bourdin deixou vários mitos a seu respeito, como o de
que teria mandado destruir todos os seus trabalhos.
"Isso não é verdade", afirma
o único filho do fotógrafo, Samuel, 42, que está no Brasil para a exposição, acompanhado
dos dois brasileiros que trabalham em sua equipe, Oswaldo
Costa e Amanda Monteiro.
Casado com uma brasileira,
com quem teve uma filha, Samuel é o herdeiro da obra de
Bourdin e também das pinturas. "Ele pintou a vida inteira,
tinha um grande amor pela história da arte. Por isso, há pessoas que o demonizam. Não entendem que ele vem de outro
lugar que não a moda", diz.
FOLHA - Como Guy Bourdin trabalhava? É verdade que era cruel com
as modelos?
SAMUEL BOURDIN - Ele não era
cruel. Era muito exigente, consigo mesmo e com os outros. A
realização de uma foto poderia
durar um dia inteiro, porque
ele também trabalhava a mise
en scène com as modelos, a fim
de deixá-las à vontade para a
construção da imagem. Seu estúdio no Marais [bairro parisiense] parecia um décor de Fellini, eu me lembro bem. Ele era
obsessivo, mas não tirânico.
FOLHA - Como ele via a fotografia
de moda, em relação à pintura?
SAMUEL - Ele dizia, brincando,
que, quando uma pessoa não
sabe o que fazer da vida, ela faz
política ou fotografia. Em casa,
nunca falava de moda. Visitávamos museus, andávamos de bicicleta... A moda, penso, foi algo
que permitiu a ele criar uma
ficção, contar uma história por
meio das imagens. O fato de ter
sido pintor durante toda a vida
o levou a ter uma relação diferente com a fotografia. É o que
faz com que suas imagens sejam verdadeiramente construídas, como uma pintura.
FOLHA - De onde vem o lado perverso das imagens de Guy Bourdin?
SAMUEL - Não acho perverso.
São imagens que têm referências na história da arte, como o
surrealismo ou o hiperrealismo. Fora isso, por que as mulheres compram batons e sapatos? Para se tornarem sedutoras. Suas fotos abordam esse
aspecto da moda, com um pouco de humor também e um desejo de provocar os burgueses.
FOLHA - Por que seu pai quis destruir todos os negativos de sua obra?
SAMUEL - Isso não é verdade.
Tanto assim, que ele disse ao
seu advogado que as fotografias
é que me permitiram viver no
futuro. Também não destruiu
seus quadros, que estão em
meu poder. São cerca de 30, e os
considero magníficos. São
obras figurativas, entre Balthus
e Magritte.
FOLHA - Ele chegou a vir ao Brasil?
SAMUEL - Sim, no final dos anos
50 ou início dos 60. Talvez para
fazer algo para a "Vogue". Ele
me contou que foi furtado na
praia. Levaram seu relógio.
A MESSAGE FOR YOU
Quando: a partir de amanhã, de. ter.
a dom., das 10h às 19h; até dia 31/8
Onde: MuBE (av. Europa, 218, tel.
0/xx/11/2594-2601)
Quanto: entrada franca
Classificação: 12 anos
com VIVIAN WHITEMAN
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