São Paulo, sexta-feira, 14 de agosto de 2009

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CINEMA/ESTREIAS

Crítica/"Aquele Querido Mês de Agosto"

Diretor faz ótima estreia filmando Portugal

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Nem sempre funciona. Mas às vezes o primeiro plano de um filme define o interesse e o talento do conjunto. Isso acontece em "Aquele Querido Mês de Agosto": ali estão as galinhas vistas apenas do pescoço para cima, um pouco do corpo, agitadas, andando de lá pra cá. Atrás da mureta, no mesmo plano, aparecem as orelhas e, por vezes, os olhos da raposa.
A imagem é bela, forte, equilibrada e, sim, dramática. Não tem, a rigor, muita relação com o restante do filme, a não ser o fato de se passar numa área rural de Portugal. A partir dele assistiremos ao filme, ou melhor: ao filme e ao parto do filme.
"Mês de Agosto", de Miguel Gomes, funda-se sobre a ideia de que a verdade não existe, instaura-se. Ela não é algo prévio que a ficção vai buscar, mas é o que a arte constrói com seus artifícios. E não se estranhará ver, de início, o que parece ser um documentário sobre o interior de Portugal, depois a busca de um diretor de cinema por atores ("não busco atores, mas pessoas") e, por fim, a história de um grupo musical, o "Estrelas do Alva".
Isso para contar em linhas bem gerais do que trata o filme ou, talvez, dar uma ideia de seu estofo, na medida em que ali entram elementos que vão desde o jornalzinho da comarca a uma filha, Tânia, cuja semelhança com a mãe (que fugiu de casa ou foi raptada por ETs?) é tão completa que parece saída de um conto de Edgar Poe.
O triângulo central do filme é completado pelo primo e namorado Hélder (que vem passar o mês de agosto de férias na aldeia) e o pai da garota, Domingos. Fora eles, há ainda o sujeito que pula do rio todo ano, no Carnaval, os bombeiros, os "bailaricos" da aldeia, que o próprio diretor disse terem sido sua fonte de inspiração primeira, algumas músicas portuguesas e brasileiras de mau gosto, outras de bom gosto, as procissões, as ruelas, as pequenas fofocas, as brigas.
É outro aspecto da arte deste trabalho. Do mínimo, do insignificante, dali onde mal se pode suspeitar da existência de um drama, busca e encontra dramas a um tempo ínfimos e magníficos: a briga de namorados ou um encontro musical podem ter um potencial explosivo tão grande quanto, digamos, um incêndio florestal.
Uma hábil montagem trabalha os tempos e os significados (suspensos, a maior parte do tempo), evita que o filme invada por um instante que seja o território da vulgaridade, permite ao espectador viajar entre felicidades e dores, fados e humor, realidades e invenções. É um filme de estreia mais que animador. O cinema lusitano dá, com esta obra, e literalmente, um belo baile em seus vizinhos europeus e em seus primos brasileiros.


AQUELE QUERIDO MÊS DE AGOSTO

Direção: Miguel Gomes
Produção: Portugal, 2008
Onde: no Reserva Cultural
Classificação: livre
Avaliação: ótimo


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