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CINEMA/ESTREIAS
Crítica/"Aquele Querido Mês de Agosto"
Diretor faz ótima estreia filmando Portugal
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Nem sempre funciona.
Mas às vezes o primeiro plano de um filme
define o interesse e o talento do
conjunto. Isso acontece em
"Aquele Querido Mês de Agosto": ali estão as galinhas vistas
apenas do pescoço para cima,
um pouco do corpo, agitadas,
andando de lá pra cá. Atrás da
mureta, no mesmo plano, aparecem as orelhas e, por vezes,
os olhos da raposa.
A imagem é bela, forte, equilibrada e, sim, dramática. Não
tem, a rigor, muita relação com
o restante do filme, a não ser o
fato de se passar numa área rural de Portugal. A partir dele assistiremos ao filme, ou melhor:
ao filme e ao parto do filme.
"Mês de Agosto", de Miguel
Gomes, funda-se sobre a ideia
de que a verdade não existe,
instaura-se. Ela não é algo prévio que a ficção vai buscar, mas
é o que a arte constrói com seus
artifícios. E não se estranhará
ver, de início, o que parece ser
um documentário sobre o interior de Portugal, depois a busca
de um diretor de cinema por
atores ("não busco atores, mas
pessoas") e, por fim, a história
de um grupo musical, o "Estrelas do Alva".
Isso para contar em linhas
bem gerais do que trata o filme
ou, talvez, dar uma ideia de seu
estofo, na medida em que ali
entram elementos que vão desde o jornalzinho da comarca a
uma filha, Tânia, cuja semelhança com a mãe (que fugiu de
casa ou foi raptada por ETs?) é
tão completa que parece saída
de um conto de Edgar Poe.
O triângulo central do filme é
completado pelo primo e namorado Hélder (que vem passar o mês de agosto de férias na
aldeia) e o pai da garota, Domingos. Fora eles, há ainda o
sujeito que pula do rio todo
ano, no Carnaval, os bombeiros, os "bailaricos" da aldeia,
que o próprio diretor disse terem sido sua fonte de inspiração primeira, algumas músicas
portuguesas e brasileiras de
mau gosto, outras de bom gosto, as procissões, as ruelas, as
pequenas fofocas, as brigas.
É outro aspecto da arte deste
trabalho. Do mínimo, do insignificante, dali onde mal se pode
suspeitar da existência de um
drama, busca e encontra dramas a um tempo ínfimos e magníficos: a briga de namorados
ou um encontro musical podem ter um potencial explosivo
tão grande quanto, digamos,
um incêndio florestal.
Uma hábil montagem trabalha os tempos e os significados
(suspensos, a maior parte do
tempo), evita que o filme invada por um instante que seja o
território da vulgaridade, permite ao espectador viajar entre
felicidades e dores, fados e humor, realidades e invenções.
É um filme de estreia mais
que animador. O cinema lusitano dá, com esta obra, e literalmente, um belo baile em seus
vizinhos europeus e em seus
primos brasileiros.
AQUELE QUERIDO MÊS DE AGOSTO
Direção: Miguel Gomes
Produção: Portugal, 2008
Onde: no Reserva Cultural
Classificação: livre
Avaliação: ótimo
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