São Paulo, sábado, 14 de agosto de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRÍTICA CONTOS

Daniel Piza cria relato banal da vida em grandes cidades

Histórias têm sentenças filosofantes, tramas previsíveis e estilo sem graça

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Noites Urbanas", do jornalista Daniel Piza, reúne dez contos, quatro deles já publicados em outros livros ou revistas, e 18 minicontos, histórias de um parágrafo ou pouco mais, todos publicados na coluna "Sinopse", do jornal "O Estado de S. Paulo".
O título, para fazer jus ao conjunto, deve ser lido como metáfora de escuridão, de tempo sem saída.
Mais particularmente, trata-se de uma noite causada por um curto-circuito entre três fios desencapados: os hábitos desumanizados da cidade, encerrada em seu próprio gigantismo; as redes sociais virtuais, que aceleram o desgaste das relações civis, e, enfim, a tecnologia que tudo penetra, desorganizando as formas de vida.
As três situações enquadram o perfil da classe média emergente, objeto do livro. Até aí, tudo bem. O assunto dos emergentes e da virtualização do contato humano está mesmo escancarado. A ironia de Piza ao tratá-lo, contudo, inclui vários procedimentos mal sucedidos: da imitação ostensiva do registro pedestre de suas personagens às comparações que dão sempre precedência a clichês e generalizações.
A fórmula usual é: "Ele era um desses que..." ou "Não era uma dessas que...", na qual o típico e o caricato definem os personagens. A combinação desses aspectos reduz o interesse da narrativa a esboços de crônicas ou de alegorias.
E permanecem esboços, pois, de um lado, são muito gerais para funcionar como crônica, que depende da energia viva do particular; de outro, não chegam a instigar a interpretação como alegoria, pois são transparentes demais para justificar o seu emprego.

REPRODUÇÃO BANAL
Não terminam aí os problemas do livro. Há algum patetismo na pintura da vida dura dos pobres, sentenças filosofantes ("Deve ser isto a velhice, este retorno da insegurança da infância, já sem os medos e as alegrias da infância"), intrigas previsíveis, como a da história do zagueiro que já se sabe que vai acabar batendo no atacante talentoso ou a do velho artista que se vê criança às vésperas da própria morte.
Tampouco ajuda o estilo jornalístico, de orações curtas e declaratórias, vez por outra alongadas à custa de apostos explicativos, pois tudo maltrata a frase.
Objetar-se-ia que a falta de graça do estilo é parte do objetivo dos textos ao fazer a crítica da banalidade. Não é razão que justifique. De tanto imitar o que critica já não se sabe onde está a crítica em meio à imitação.
Mostrar as caricaturas em que as pessoas se transformam na metrópole terceiromundista precisa ser mais do que a reprodução banalíssima do mesmo.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp


NOITES URBANAS

AUTOR Daniel Piza
EDITORA Bertrand Brasil
QUANTO R$ 33 ( 176 págs.)
AVALIAÇÃO ruim




Texto Anterior: Crítica/História: Jornalista reescreve o Brasil de modo juvenil
Próximo Texto: Painel das Letras
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.