São Paulo, sexta, 14 de agosto de 1998

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"Amores" é filme para ser amado

dos enviados a Gramado

"Amores", de Domingos Oliveira e Priscilla Rozenbaum, é um filme cheio de arestas e ruídos, desconjuntado como a vida. E igualmente intenso. Exibido anteontem na mostra competitiva do festival de Gramado, atingiu em cheio a platéia, que chegou a aplaudir durante a projeção.
A comédia aborda as complicações amorosas de um grupo de personagens da classe média carioca esclarecida, tendo como eixo o relacionamento entre Vieira (Domingos Oliveira), roteirista de TV cinquentão, e sua filha Cíntia (Maria Mariana, filha do diretor).
O ambiente cultural em que a história se desenvolve, o fluxo de referências literárias e cinematográficas, a auto-ironia, a natureza neurótica e loquaz do protagonista, tudo, à primeira vista, faz lembrar um Woody Allen à carioca.
Mas há pelo menos uma diferença essencial. Enquanto o protagonista dos filmes de Allen é apenas uma "persona" do cineasta nova-iorquino, Domingos Oliveira expõe a si próprio de uma maneira radical, corajosa e comovente.
Não por acaso, cercou-se, em "Amores", de seus amores reais: a filha, a companheira (Priscilla Rozenbaum, atriz e roteirista), os amigos, a própria casa.
O resumo acima pode dar a idéia de uma egocêntrica sessão pública de psicanálise, mas a auto-exposição de Oliveira é muito mais o caminho que ele usa para falar do mundo que o cerca.
Pela neurose de Vieira passam os grandes e pequenos dramas de nosso tempo: a solidão, a Aids, a confusão moral, a crise da cultura, a dificuldade de manter crenças.
Como modo de sobreviver nesse mundo confuso e inquietante, Oliveira e sua turma propõem a solidariedade, o carinho, o desejo. Em uma palavra: amor.
Claro que, em decorrência de sua proposta básica, o filme tem irregularidades gritantes. Nada, porém, que comprometa uma proposta saudável: a de um filme barato, de feitura rápida, pessoal, e que pode ser visto com prazer por qualquer platéia. "Amores" é um filme para ser amado. Será?
Futebol e mulher
O outro filme da quarta, "Historias de Fútbol", é dividido em três episódios. Fiquemos com o terceiro, em que o jogo se define a favor do diretor chileno Andres Wood.
Ali, o diretor coloca em oposição, no início, o futebol e as mulheres, ao contar a história de um jovem que, num fim de mundo, se vê forçado a ver uma importante partida na única TV da aldeia, que pertence a duas solteironas.
Uma delas aproveita a chance para atacar o garoto com ímpeto digno de um Zamorano. E é aí que Wood dá o seu bote narrativo, superpondo o futebol e o desejo e harmonizando essas duas instituições. De quebra, faz uma comédia bem dirigida, com atores (e sobretudo atrizes) formidáveis, em que a mulher dribla a adversidade futebolística e busca nela inspiração para instaurar outro jogo, o da sedução. (IA e JGC)


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