São Paulo, Sábado, 14 de Agosto de 1999
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LOCARNO 99
Suíços comprovam mais uma vez o perfil anticonvencional

CARLOS REICHENBACH
especial para a Folha

A pergunta mais frequente aqui em Locarno tem sido: "Vai chover ou não?". É que as sessões mais concorridas acontecem na Piazza Grande, onde a frequência habitual, não importa o filme, é de cinco a sete mil pessoas.
Na noite da entrega do Leopardo de Honra ao cineasta suíço Daniel Schmith, com a pré-estréia de seu longa metragem mais recente, "Beresina" -uma fábula que ironiza todos os clichês da sociedade nativa-, Locarno bateu todos os recordes de frequência pagante de qualquer festival de cinema importante do mundo: 9.000 espectadores.
Impressionam o tamanho da tela, a qualidade do som e o silêncio reverente do público.
Nos dias 8 e 9 não houve sessão na praça porque a chuva foi implacável. Em compensação, no dia 10, sete mil pessoas assistiram a co-produção franco-tibetana "Himalaya, A Infância de um Chefe", longa de estréia de Eric Valli, produzido pelo ator fetiche de Valério Zurlini, o francês Jacques Perrin.
Filmado em Dolfo, no coração do Tibete, à cinco mil metros de altitude, "Himalaya" é uma resposta de Valli ao filme em que trabalhou como diretor de segunda unidade, "Sete Anos no Tibete", e que foi rodado na Argentina.
A verdade é que o diretor exagera em sua preocupação de fidelidade; seu filme é íntegro, mas por vezes tão enfadonho quanto uma tese de mestrado, ou tão pesado e acadêmico quanto um faroeste de Gordon Douglas.
Mas se o público esperava mais dinamismo não perdeu por esperar; na sessão seguinte foi projetado o alucinante "Tropas Estelares", de Paul Verhoeven, dentro da homenagem do festival à segunda geração da "Corman's Factory".
No dia 11 a praça não chegou a lotar, mas foi emocionante assistir a ovação recebida pelo diretor italiano Francesco Rosi antes da projeção de sua obra-prima "Salvatore Giuliano" (62), recém-recuperada e masterizada. Enfim a nova geração vai poder conhecer um dos clássicos do cinema político da década de 60, que por sua ousada linguagem fracionada é considerado ainda hoje um marco do cinema moderno.
Até o Auditório Fevi, onde são projetados os filmes em concurso, impressiona por suas dimensões: quatro mil lugares. Foi essa massa de gente que aplaudiu em cena aberta o atrevidíssimo "O Eisenstein do Sexo", de Rosa Von Praunheim, até agora o principal concorrente ao Leopardo de Ouro.
O filme narra a vida de Magnus Hirschfeld (1868-1935), pai histórico do movimento homossexual -ao fundar, em 1920, um instituto de sexologia em Berlim que obteve ressonância internacional- e cuja carreira política e científica foi interrompida pelo Partido Nazista.
Homossexual, judeu e socialista, Magnus teve que abandonar o país natal e foi apelidado por jornalistas norte-americanos que o entrevistaram em seu exílio em Nice, França, de o Eisenstein do Sexo.
Rosa Von Praunheim é o nome artístico de Holger Mischwitzki, nascido em Riga (Letônia), em 1942. Foi em 1964, durante seus estudos de pintura na Academia de Belas Artes de Berlim, que mudou seu nome em homenagem aos homossexuais vítimas do regime nazista que eram obrigados a usar um triângulo cor-de-rosa em suas vestes nos campos de concentração.
Como se sabe, após ter realizado quase 50 filmes de curta, média e longa-metragem, Rosa faz um cinema militante e gay. Contemporâneo de Fassbinder e Werner Schroeder, foi o único a assumir sua homossexualidade desde o início, tanto pública quanto autoralmente.
O seu novo filme é o mais acessível de sua carreira e está encontrando uma receptividade inédita e merecida.
Rosa subiu ao palco e fez questão de apresentar sua equipe da seguinte maneira: este é o ator principal, homossexual; este o ator coadjuvante, homossexual; eu sou o diretor, homossexual; e aquele é o produtor-executivo, heterossexual.
Locarno, mais uma vez, comprova seu perfil anticonvencional.


O cineasta Carlos Reichenbach, diretor de "Dois Córregos", viajou a Locarno a convite do Ministério da Cultura


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