|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LOCARNO 99
Suíços comprovam mais uma
vez o perfil anticonvencional
CARLOS REICHENBACH
especial para a Folha
A pergunta mais frequente aqui
em Locarno tem sido: "Vai chover ou não?". É que as sessões
mais concorridas acontecem na
Piazza Grande, onde a frequência
habitual, não importa o filme, é de
cinco a sete mil pessoas.
Na noite da entrega do Leopardo de Honra ao cineasta suíço Daniel Schmith, com a pré-estréia de
seu longa metragem mais recente,
"Beresina" -uma fábula que ironiza todos os clichês da sociedade
nativa-, Locarno bateu todos os
recordes de frequência pagante
de qualquer festival de cinema
importante do mundo: 9.000 espectadores.
Impressionam o tamanho da tela, a qualidade do som e o silêncio
reverente do público.
Nos dias 8 e 9 não houve sessão
na praça porque a chuva foi implacável. Em compensação, no
dia 10, sete mil pessoas assistiram
a co-produção franco-tibetana
"Himalaya, A Infância de um
Chefe", longa de estréia de Eric
Valli, produzido pelo ator fetiche
de Valério Zurlini, o francês Jacques Perrin.
Filmado em Dolfo, no coração
do Tibete, à cinco mil metros de
altitude, "Himalaya" é uma resposta de Valli ao filme em que trabalhou como diretor de segunda
unidade, "Sete Anos no Tibete", e
que foi rodado na Argentina.
A verdade é que o diretor exagera em sua preocupação de fidelidade; seu filme é íntegro, mas por
vezes tão enfadonho quanto uma
tese de mestrado, ou tão pesado e
acadêmico quanto um faroeste de
Gordon Douglas.
Mas se o público esperava mais
dinamismo não perdeu por esperar; na sessão seguinte foi projetado o alucinante "Tropas Estelares", de Paul Verhoeven, dentro
da homenagem do festival à segunda geração da "Corman's Factory".
No dia 11 a praça não chegou a
lotar, mas foi emocionante assistir a ovação recebida pelo diretor
italiano Francesco Rosi antes da
projeção de sua obra-prima "Salvatore Giuliano" (62), recém-recuperada e masterizada. Enfim a
nova geração vai poder conhecer
um dos clássicos do cinema político da década de 60, que por sua
ousada linguagem fracionada é
considerado ainda hoje um marco do cinema moderno.
Até o Auditório Fevi, onde são
projetados os filmes em concurso,
impressiona por suas dimensões:
quatro mil lugares. Foi essa massa
de gente que aplaudiu em cena
aberta o atrevidíssimo "O Eisenstein do Sexo", de Rosa Von Praunheim, até agora o principal concorrente ao Leopardo de Ouro.
O filme narra a vida de Magnus
Hirschfeld (1868-1935), pai histórico do movimento homossexual
-ao fundar, em 1920, um instituto de sexologia em Berlim que obteve ressonância internacional-
e cuja carreira política e científica
foi interrompida pelo Partido Nazista.
Homossexual, judeu e socialista, Magnus teve que abandonar o
país natal e foi apelidado por jornalistas norte-americanos que o
entrevistaram em seu exílio em
Nice, França, de o Eisenstein do
Sexo.
Rosa Von Praunheim é o nome
artístico de Holger Mischwitzki,
nascido em Riga (Letônia), em
1942. Foi em 1964, durante seus
estudos de pintura na Academia
de Belas Artes de Berlim, que mudou seu nome em homenagem
aos homossexuais vítimas do regime nazista que eram obrigados
a usar um triângulo cor-de-rosa
em suas vestes nos campos de
concentração.
Como se sabe, após ter realizado quase 50 filmes de curta, média e longa-metragem, Rosa faz
um cinema militante e gay. Contemporâneo de Fassbinder e
Werner Schroeder, foi o único a
assumir sua homossexualidade
desde o início, tanto pública
quanto autoralmente.
O seu novo filme é o mais acessível de sua carreira e está encontrando uma receptividade inédita
e merecida.
Rosa subiu ao palco e fez questão de apresentar sua equipe da
seguinte maneira: este é o ator
principal, homossexual; este o
ator coadjuvante, homossexual;
eu sou o diretor, homossexual; e
aquele é o produtor-executivo,
heterossexual.
Locarno, mais uma vez, comprova seu perfil anticonvencional.
O cineasta Carlos Reichenbach, diretor de
"Dois Córregos", viajou a Locarno a convite
do Ministério da Cultura
Texto Anterior: Leon Cakoff estréia como cineasta com curta-metragem Próximo Texto: Televisão: Astrid mistura "Muvuca" e ilha de "Caras" Índice
|