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Em "Budapeste", seu terceiro romance, o cantor e compositor mergulha em uma "literatura paralela', a dos escritores anônimos, ao descrever o universo de um "ghost-writer" atormentado
Outro Chico
MARCELO RUBENS PAIVA
ARTICULISTA DA FOLHA
Chico Buarque, 59, resolve atender a amigos que mencionavam
que sua obra literária contrastava
com seu bom humor.
Em seu novo romance, "Budapeste", que chega agora às livrarias, a ironia está no foco, como se
a narrativa tivesse a caneta de Julinho da Adelaide, pseudônimo
que Chico usou para ridicularizar
as incongruências do passado.
Se em "Estorvo" (91) o narrador
era atormentado pela solidão, e
"Benjamim" (95), cujo filme dirigido por Monique Gardenberg
está para estrear no Brasil -foi
visto no Festival de Sundance-,
abre com um pelotão de fuzilamento, prepare-se para rir em
"Budapeste", cidade em que o autor nunca colocou os pés.
Chico troca as angústias de um
narrador difuso pela auto-ironia e
toca em tema que incomoda escritores: o envolvimento entre
biógrafos e biografados, livros sob
encomenda e anonimato. Curiosamente, Chico viveu algo semelhante. Encontrou, pelo consulado da Hungria, uma professora de
húngaro. Ao ligar para uma consulta, escutou: "Chico Buarque...
Só tem um, aquele compositor".
Ele foi ao encontro sem esclarecer que ele era o compositor. Chico mergulha no ofício como poucos: inventa. Apesar de nunca ter
ido à Hungria, escreve: "Em toda
a orla do Rio, não há mulher que
caminhe como as húngaras".
E, diferentemente dos anteriores, que foram escritos em um
ano, Chico gastou o dobro do
tempo, depois de experimentar
um bloqueio. Seu plano inicial era
narrar a vida de um arquiteto. O
livro é narrado por um escritor,
José Costa, casado com uma apresentadora de telejornal e explora
os tormentos de biógrafos e autores anônimos. Ele publica artigos
para o presidente da Federação
das Indústrias, o ministro do Supremo ou o cardeal arcebispo.
Seu nome não aparece. Costa é o
sobrenome do "ghost-writer" do
ex-presidente Médici, general
Otávio Costa. Coincidência?
O narrador é um gênio não-reconhecido. Namora seus artigos
solitariamente e considera a mulher uma papagaia, porque lê as
notícias sem saber do que fala
(seu oposto). As diferenças: enquanto Costa atende clientes em
busca de textos anônimos, a mulher sobe na carreira, muda-se para São Paulo e vira uma estrela.
Ele encontra estímulo numa das
coisas mais extravagantes, uma
língua de consonâncias, tremas e
inútil: o húngaro, "única língua
do mundo que o diabo respeita".
Volta a Budapeste, que conheceu casualmente num pouso forçado, só para aprender a língua e
dar um tempo da mulher. Claro,
envolve-se com a professora, que
o fazia passar sede porque ele falava água sem acertar a prosódia.
É o humor, o humor...
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