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São Paulo, domingo, 14 de setembro de 2003

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"O biografado nos captura a alma", diz Ruy Castro

ARTICULISTA DA FOLHA

Chico Buarque provoca discussões em "Budapeste". Até que ponto um escritor se envolve com o biografado? E que mal há em escrever livros sob encomenda?
Fernando Morais ("Chatô, o Rei do Brasil") foi atormentado pelo fantasma de seu biografado, morto dez anos antes. Assis Chateaubriand aparecia em um sonho recorrente num elevador: "Ô, seu Morais, esse livro sai ou não sai?".
"Atrasei o livro, apesar do adiantamento, e, quanto mais chegava perto do fim, ele aparecia falando severamente. No fundo, era meu editor me cobrando", diz.
Ele se lembra da emoção quando visitou o lugar em que morreu Olga Benário, sua biografada ("Olga"): "Senti uma vibração cósmica, como se eu visitasse o túmulo de um parente".
Morais já escreveu livros sob encomenda, como para uma fábrica de cigarros ("Tentei transformar o livro num texto saboroso. O dinheiro é bom"), e está há sete anos escrevendo "As Sete Mortes de ACM", biografia do senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA).
Já Ruy Castro, biógrafo de Nelson Rodrigues ("Anjo Pornográfico") e Garrincha ("Estrela Solitária"), explica: "Quando começo o trabalho, penso em capturar a alma do biografado. Meses depois, descubro que ele capturou a minha. Vou dormir e sonho com o personagem. O título "Estrela Solitária" me veio depois de um sonho. Vira uma obsessão".
Castro não aceita encomendas: "O biografado tem que estar morto há pelo menos dez anos". Ele já recebeu oferta de uma editora americana para biografar Tom Jobim após sua morte, mas recusou: "Pareceu oportunista, além de eu estar abalado".
Empresas, empresários, modelos, muitos querem livros que falem deles, mas não têm talento para escrevê-los, logo, contratam profissionais. A diferença é que o "ghost-writer" não assina.
Presidentes da República têm seus "ghost-writers". Getúlio Vargas tinha muitos, como Ronald de Carvalho. O presidente Lula tem seus discursos sob a responsabilidade de Luiz Dulci [ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência], mas costuma dispensá-los e falar de improviso.
O ex-presidente José Sarney diz que a figura do "ghost-writer" é uma presença na vida política brasileira, mas não tão organizada quanto nos EUA. "Para mim, escrever é um prazer, a maioria dos discursos foram feitos por mim. A não ser os de circunstâncias [solenidades formais]. Minha experiência é calamitosa com "ghost-writers", nunca fazem o que a gente quer; nunca encontrei bom resultado."
Segundo Sarney, os "ghost-writers" exageram nos adjetivos: "Meu pai ensinou: fuja dos adjetivos. Uma vez, em Minas, o ex-presidente João Figueiredo batia com o discurso enrolado num palanque e disse para mim: "Estou esperando para ler esta droga que o dr. Leitão [de Abreu] escreveu'".
O escritor José Roberto Torero é um que fez artigos e discursos para um político de Santos e foi "ghost-writer" do Frei Albino Aresi, frei cristão parapsicólogo que tinha a revista "Mens Sana". "Ele já morreu. Eu fazia os editoriais que eram assinados por ele."
(MARCELO RUBENS PAIVA)


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