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"O biografado nos captura a alma", diz Ruy Castro
ARTICULISTA DA FOLHA
Chico Buarque provoca
discussões em "Budapeste".
Até que ponto um escritor se
envolve com o biografado? E
que mal há em escrever livros sob encomenda?
Fernando Morais ("Chatô,
o Rei do Brasil") foi atormentado pelo fantasma de
seu biografado, morto dez
anos antes. Assis Chateaubriand aparecia em um sonho recorrente num elevador: "Ô, seu Morais, esse livro sai ou não sai?".
"Atrasei o livro, apesar do
adiantamento, e, quanto
mais chegava perto do fim,
ele aparecia falando severamente. No fundo, era meu
editor me cobrando", diz.
Ele se lembra da emoção
quando visitou o lugar em
que morreu Olga Benário,
sua biografada ("Olga"):
"Senti uma vibração cósmica, como se eu visitasse o túmulo de um parente".
Morais já escreveu livros
sob encomenda, como para
uma fábrica de cigarros
("Tentei transformar o livro
num texto saboroso. O dinheiro é bom"), e está há sete
anos escrevendo "As Sete
Mortes de ACM", biografia
do senador Antonio Carlos
Magalhães (PFL-BA).
Já Ruy Castro, biógrafo de
Nelson Rodrigues ("Anjo
Pornográfico") e Garrincha
("Estrela Solitária"), explica:
"Quando começo o trabalho, penso em capturar a alma do biografado. Meses depois, descubro que ele capturou a minha. Vou dormir e
sonho com o personagem. O
título "Estrela Solitária" me
veio depois de um sonho.
Vira uma obsessão".
Castro não aceita encomendas: "O biografado tem
que estar morto há pelo menos dez anos". Ele já recebeu
oferta de uma editora americana para biografar Tom Jobim após sua morte, mas recusou: "Pareceu oportunista, além de eu estar abalado".
Empresas, empresários,
modelos, muitos querem livros que falem deles, mas
não têm talento para escrevê-los, logo, contratam profissionais. A diferença é que
o "ghost-writer" não assina.
Presidentes da República
têm seus "ghost-writers".
Getúlio Vargas tinha muitos,
como Ronald de Carvalho.
O presidente Lula tem seus
discursos sob a responsabilidade de Luiz Dulci [ministro-chefe da Secretaria Geral
da Presidência], mas costuma dispensá-los e falar de
improviso.
O ex-presidente José Sarney diz que a figura do
"ghost-writer" é uma presença na vida política brasileira, mas não tão organizada quanto nos EUA. "Para
mim, escrever é um prazer, a
maioria dos discursos foram
feitos por mim. A não ser os
de circunstâncias [solenidades formais]. Minha experiência é calamitosa com
"ghost-writers", nunca fazem
o que a gente quer; nunca
encontrei bom resultado."
Segundo Sarney, os
"ghost-writers" exageram
nos adjetivos: "Meu pai ensinou: fuja dos adjetivos. Uma
vez, em Minas, o ex-presidente João Figueiredo batia
com o discurso enrolado
num palanque e disse para
mim: "Estou esperando para
ler esta droga que o dr. Leitão [de Abreu] escreveu'".
O escritor José Roberto
Torero é um que fez artigos e
discursos para um político
de Santos e foi "ghost-writer" do Frei Albino Aresi, frei
cristão parapsicólogo que tinha a revista "Mens Sana".
"Ele já morreu. Eu fazia os
editoriais que eram assinados por ele."
(MARCELO RUBENS PAIVA)
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