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TEATRO
Diretor do Volksbühne traz ao Brasil adaptação de "Um Bonde Chamado Desejo" e recebe Oficina no espaço em Berlim
Castorf põe "bonde" nos trilhos da história
VALMIR SANTOS
EM BUENOS AIRES
No início, os atores entoam uma
bela e triste canção de Lou Reed
sobre um dia perfeito. Duas mulheres estão na cozinha. Ovos mexidos. O cheiro vai impregnar o
espetáculo durante cerca de duas
horas e meia. Mas a viagem de
"Endstation Amerika" não será
tão bucólica quanto pintada.
A atmosfera vai pesar ao som de
Nirvana. Afinal, estamos falando
do norte-americano Tennessee
"Um Bonde Chamado Desejo"
Williams, encontrado morto há
22 anos asfixiado com a tampa de
um tubo de remédios.
E estamos falando de um espetáculo assinado por Frank Castorf, 54, alemão de afinidades
marxistas, que não concebe o fazer artístico sem impregná-lo de
forte conteúdo político e social.
Faz 13 anos que está à frente do
Volksbühne am Rosa Luxemburg
Platz, fruto de movimento operário de 91 anos atrás, cravado no
centro antigo de Berlim. É um espaço com vocação para resistir
(foi destruído na Segunda Guerra), abrigar experimentos radicais
já praticados por nomes como os
do diretor Erwin Piscator, do dramaturgo Heiner Müller e, doravante, do brasileiro José Celso
Martinez Corrêa.
Numa confluência típica de um
mundo que se diz globalizado, a
semana combina a estréia de "Os
Sertões", do grupo Oficina, hoje,
em pleno Volksbühne, e a chegada ao Brasil de "Endstation Amerika" (2000), com apresentações
amanhã e sexta, no 12º Porto Alegre em Cena, e dias 23 e 24, no
Sesc Pinheiros, em São Paulo.
Prepare-se para ver uma Blanche Dubois (por Silvia Rieger)
despida daquela ensimesmada
tentativa desesperada de glamour
com a qual parecia imortalizada.
Ou um Stanley Kowalski (por
Henry Hübchen), embrutecido,
sim, mas que não perde a ternura,
flanando como um moleque irado cujo brinquedo lhe é subtraído: o direito de sonhar.
"Quando lia "Um Bonde", ficava
deprimido por causa da desesperança de seis pessoas que convivem num espaço diminuto", diz
Castorf, sobre o texto, que ganhou
última montagem em São Paulo
por Cibele Forjaz, da Cia. Livre.
"O que fizemos foi tentar dar uma
visão mais política e social."
No texto de 1946, tudo se passa
numa espelunca em Nova Orleans. Agora, o lugar é indefinido.
O imigrante polonês Stanley, que
foi "fazer a América" e casou-se
com Stella, agrega ao seu passado,
na versão de Castorf, uma luta pela legalidade do Solidariedade,
partido que alçou o sindicalista
Lech Walesa à política nos anos
80. "Ou seja, o passado dele traz
algum pedaço de esperança."
Em suas referências aos signos
de um mundo em colapso, nas
suas palavras, Castorf usa imagens em vídeo para espiar a voracidade do "Grande Irmão" orwelliano. Uma câmera posicionada
no interior do banheiro da casa
capta cenas, diálogos inteiros. Na
sala, o televisor retransmite ao vivo para os (tel)espectadores.
Convidado a criar um novo espetáculo, há cinco anos, Castorf
decidiu-se por Williams, porque
enxergou no clássico potencial
para provocar. "Tennessee Wiliams usou drogas, era homossexual, praticamente precedeu o
movimento beatnik. Ele não seria
um americano modelo na era
Bush, por exemplo", ironiza.
Há uma balança que a montagem faz pender. "Há uns 20 anos,
a identidade era medida pelo entorno, pelo que vinha de fora. Hoje, no que já se diz ser o final da estação no sistema capitalista, que
leva à depressão, o indivíduo atrai
a culpa para si", diz Castorf.
Durante o Festival Internacional de Buenos Aires, na semana
passada, o diretor participou de
encontros com o público. Foi indagado sobre o poder do teatro
numa sociedade que tem metade
da população abaixo da linha da
pobreza, como questionou um espectador argentino.
"O teatro tem de que oferecer
um ponto de reflexão, advogar e
interceder por aqueles que vivem
à margem", diz Castorf, que trabalhou durante dez anos com
sem-tetos. Em "Endstation Amerika", por enquanto, acena com
luz no fim do túnel.
O jornalista Valmir Santos viajou com
apoio da organização do Festival Internacional de Buenos Aires
Endstation Amerika
Quando: amanhã, às 21h, e sex., às 19h,
no 12º Porto Alegre em Cena - reitoria
da UFRGS (av. Paulo Gama, 110)
Quanto: R$ 20
Quando: dias 23 e 24, às 21h, no Sesc
Pinheiros - teatro (r. Paes Leme, 195,
SP, tel. 0/xx/11/3095-9400)
Quanto: R$ 20 a R$ 40
Próximo Ato - Mesa-Redonda com Castorf e Fátima Saad (RJ)
Quando: dia 18/9, às 21h
Onde: Itaú Cultural (av. Paulista, 149, SP,
tel. 0/xx/11/2168-1776)
Quanto: entrada franca
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