São Paulo, quinta-feira, 14 de setembro de 2006

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NINA HORTA

Reminiscências de um mexicanito


Foi a maior surpresa provar sua comida. Pimentões recheados, coisa que detesto, viravam algo precioso

PASSAM PELO bufê vários cozinheiros interessantes. Uma vez chegou lá, vindo não me lembro de onde, um mexicaninho -digo "inho" porque era miúdo- e "flaco", simpático, de grandes olhos aveludados. Lia muito, pedia livros emprestados, queria conhecer o Brasil e emprestava discos.
Casou-se com uma brasileira e daí começou um dilaceramento. Morre de saudades do México. Vai para lá, a mulher não vai. Tem medo de ser agregada à grande família dele e perder suas raízes. Há pouco tempo tiveram uma filha, milagre de Deus no qual ele custa a acreditar. Adora a menina e vai por São Paulo afora procurando segurança (difícil na vida de um cozinheiro) e também sucesso e alegria. Quando a saudade apertava demais, sumia para o México. Na volta, trazia pimentas, chocolates, ervas, ingredientes e umas bolsinhas feitas à mão, bordadas, aquela coisa bem mexicana, para ajudar a pagar a viagem.
Confesso que foi a maior surpresa provar sua comida. Pimentões recheados, coisa que detesto, viravam o que há de mais precioso, com os cuidados em retirar a pele, com os temperos que se misturavam divinamente. Fazia um frango ao chocolate, de molho grosso, espesso, um mole, semelhante ao nosso frango ao molho pardo, só que com chocolate amargo. Coisas bobas, uma sobremesa de salada de frutas picadinhas, assada em folha de bananeira (o difícil era dar e desatar o laço que fechava o pacote...).
Enriquecemos com ele, nos ensinou muitas coisas. Um dia, bateu asas para o México e, quando voltou, o lugar estava tomado. Ainda ficaram muitos discos da Chavella Vargas se esgoelando lindamente para nos trazer lembranças dele.
Outro dia chegou um e-mail de Campinas, de Enrique David Calderon Obando (aranha73@hotmail.com).
"Eu sei, senhora Nina, não tenho me esquecido da senhora. Primeiro me desculpa pelos meus erros trágicos da minha escrita em português. Comenzei com um trailer há pouco mais de um mês no centro da cidade de Campinas, com comidas mexicanas, e tem ido bem, graças a Deus. Também estou fazendo festas mexicanas nesta região. Ontem, fiz uma na Alphaville de Campinas, que chique. Quem podia dizer, he, he, he!!! Acho que meu status social vai subir, já, já, já.
Ontem me ligou a Betty Kövesi para eu dar uma aula de cozinha mexicana. Fiquei muito contente. A aula será no dia 23 de novembro.
Será que a senhora quer ir?
No princípio, tive alguns problemas com o trailer por as pessoas se ressentirem quando viram meu sucesso e perceveron que o trailer comenzou a dar movimento e me mandaron tirar o trailer do lugar todos os dias e levar para casa.
Eles sabem que não tenho carro, então tive que colocar um engate no trailer e me fazer de um carro velho, para puxar o trailer todo dia.
Esse mês passado tive uma nuvem preta encima da minha cabeça, todo dia, e ainda por cima um trailer nas costas. A senhora há de concordar que é muito peso. Espero que seja só o início, porque todo mundo fala que no princípio é assim mesmo. Espero que os próximos dias sejam melhores.
La Isabella, mi hija, tá demais, não pára, muito inteligente. Meu pai vem em novembro para conhecer ela. Minha irmã vinha, só que as passagens da Espanha para aqui estão muito caras. Bem, dona Nina, mais ou menos o que tenho feito.
Vou mandar umas fotos do trailer nos próximos dias. E, cuando for para São Paulo, vou pasar visitar a senhora, um beiji e um abrazo, senhora Nina, bye." Boa sorte, mexicanito, nada pode dar errado na escola sob as mãos mais que fortes e carinhosas da Betty Kövesi. No dia 23 de novembro seu status vai começar a melhorar, sim, aposto. Bye.


@ - ninahorta@uol.com.br

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