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Crítica/"Querô"
Filme resgata crueza lírica de Plínio Marcos
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
Na fila de espectadores
que escolhia um filme
no Clube do Professor
do Unibanco Arteplex no último sábado, havia alguém com
uma dúvida sobre "Querô". De
que trata esse filme? "É mais ou
menos como "Cidade de Deus'",
disse um rapaz. Para fins de
convencimento, funcionou: o
ingresso foi para "Querô".
O episódio, corriqueiro em filas de cinema, embute um bocado de conceitos e preconceitos, a começar pela importância adquirida por "Cidade de
Deus" como referência de qualidade e de comunicação com o
público (faz bem, nesse aspecto, ser comparado a ele), e também de abordagem da miséria
social brasileira por meio de
crianças em situação de risco.
Para rastrear a origem da força dramática de "Querô", no
entanto, é preciso viajar um
pouco mais no tempo: ela reside na crueza e na poesia do teatro e da literatura do santista
Plínio Marcos (1935-99), autor
do romance "Querô: Uma Reportagem Maldita".
Ao atualizar a trama, dos
anos 1970, o diretor e roteirista
Carlos Cortez acentuou o aspecto rude de nossa paisagem
social, agravada desde então,
mas manteve o lirismo doloroso com que Marcos já a enxergava. O trabalho com adolescentes em oficinas de interpretação e de intervenção no roteiro (ecos, outra vez, de "Cidade
de Deus"?) ajudou também a
conferir ao filme a "verdade"
que o dramaturgo buscava.
Quem melhor a representa é
Maxwell Nascimento, o Querosene do título, filho de prostituta (Maria Luisa Mendonça)
criado no submundo em torno
do porto de Santos. Sua história
não é apenas sua, pois equivale
poeticamente à pequena tragédia de muitos outros, mas sem
que o filme se preocupe em salientar essa obviedade, restringindo-se a mergulhar apenas
no pântano de seu protagonista. Assim, o discurso de denúncia é substituído, com imensa
vantagem, pela eficácia natural
do microcosmo que permite
entender melhor o todo.
Ainda "Cidade de Deus": embora um de seus diálogos mais
emblemáticos lembre, de fato,
a célebre frase-passagem de
Dadinho para Zé Pequeno,
Querosene está mais perto, na
árvore genealógica do cinema
brasileiro, do menino de rua interpretado por Fernando Ramos da Silva em "Pixote, a Lei
do Mais Fraco" (1980).
QUERÔ
Direção: Carlos Cortez
Produção: Brasil, 2007
Com: Maxwell Nascimento, Maria Luisa Mendonça e Ângela Leal
Quando: em cartaz nos cines TAM, Espaço Unibanco, Unibanco Arteplex e
Reserva Cultural
Avaliação: bom
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