São Paulo, sexta-feira, 14 de setembro de 2007

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Crítica/"Querô"

Filme resgata crueza lírica de Plínio Marcos

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Na fila de espectadores que escolhia um filme no Clube do Professor do Unibanco Arteplex no último sábado, havia alguém com uma dúvida sobre "Querô". De que trata esse filme? "É mais ou menos como "Cidade de Deus'", disse um rapaz. Para fins de convencimento, funcionou: o ingresso foi para "Querô".
O episódio, corriqueiro em filas de cinema, embute um bocado de conceitos e preconceitos, a começar pela importância adquirida por "Cidade de Deus" como referência de qualidade e de comunicação com o público (faz bem, nesse aspecto, ser comparado a ele), e também de abordagem da miséria social brasileira por meio de crianças em situação de risco.
Para rastrear a origem da força dramática de "Querô", no entanto, é preciso viajar um pouco mais no tempo: ela reside na crueza e na poesia do teatro e da literatura do santista Plínio Marcos (1935-99), autor do romance "Querô: Uma Reportagem Maldita".
Ao atualizar a trama, dos anos 1970, o diretor e roteirista Carlos Cortez acentuou o aspecto rude de nossa paisagem social, agravada desde então, mas manteve o lirismo doloroso com que Marcos já a enxergava. O trabalho com adolescentes em oficinas de interpretação e de intervenção no roteiro (ecos, outra vez, de "Cidade de Deus"?) ajudou também a conferir ao filme a "verdade" que o dramaturgo buscava.
Quem melhor a representa é Maxwell Nascimento, o Querosene do título, filho de prostituta (Maria Luisa Mendonça) criado no submundo em torno do porto de Santos. Sua história não é apenas sua, pois equivale poeticamente à pequena tragédia de muitos outros, mas sem que o filme se preocupe em salientar essa obviedade, restringindo-se a mergulhar apenas no pântano de seu protagonista. Assim, o discurso de denúncia é substituído, com imensa vantagem, pela eficácia natural do microcosmo que permite entender melhor o todo.
Ainda "Cidade de Deus": embora um de seus diálogos mais emblemáticos lembre, de fato, a célebre frase-passagem de Dadinho para Zé Pequeno, Querosene está mais perto, na árvore genealógica do cinema brasileiro, do menino de rua interpretado por Fernando Ramos da Silva em "Pixote, a Lei do Mais Fraco" (1980).


QUERÔ
Direção: Carlos Cortez
Produção: Brasil, 2007
Com: Maxwell Nascimento, Maria Luisa Mendonça e Ângela Leal
Quando: em cartaz nos cines TAM, Espaço Unibanco, Unibanco Arteplex e Reserva Cultural
Avaliação: bom



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