São Paulo, quinta-feira, 14 de outubro de 2004

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TEATRO

Musical carioca, que tem o ator Tuca Andrada no papel do protagonista, ganha temporada paulistana no Sesc

Espetáculo celebra história e canções de Orlando Silva

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A vida e a obra de Orlando Silva (1915-78) certamente dariam um filme, como se diz. Mas, por ora, é o teatro que estende o tapete ao cantor das multidões, alcunha colada para sempre ao homem que sublimou na voz a arte de superar dramas pessoais.
"Ele era pobre, feio, tímido, manco, se envolveu com drogas no auge da carreira e teve que extrair todos os dentes da boca. É uma história vitoriosa", resume Tuca Andrada, dono do papel-título em "Orlando Silva - O Cantor das Multidões".
O musical carioca ganha temporada paulistana a partir de amanhã, no Sesc Vila Mariana, onde fica até dezembro.
Também co-produtor (ao lado de Cláudia Marques), Andrada reconhece que se trata de um projeto de resgate. "Quem ouviu falar de Orlando Silva até este ano?", provoca. A peça estreou em abril. O hiato mínimo se estende a 1995, quando saiu uma caixa com três CDs do melhor do cancioneiro de Silva, de 1935 e 1942, pela BMG.
Ou dez anos antes, quando foi lançada uma biografia com o mesmo nome do espetáculo, por Jonas Vieira, pela Funarte.
"Enquanto o Brasil, um país sem memória, se esquece de um ídolo como ele, [Carlos] Gardel é cultuado até hoje na Argentina e Edith Piaf segue como monumento da canção francesa", diz Andrada.
No Rio, a conexão com os fãs do cantor, que hoje estão na casa dos 50, 60 anos ou mais, prorrogou a temporada até agosto passado. Tanto lá, como nas apresentações em Niterói, Angra dos Reis e Santos, deu-se também uma introdução às novas gerações de quem foi Orlando Silva. "O espetáculo atrai tanto pelo humor quanto pelo saudosismo", diz Andrada.
A partir do livro de Vieira, a dupla Antonio De Bonis e Fátima Valença (a mesma de "Dolores", musical sobre Dolores Duran) criou enredo no qual um grupo teatral mambembe ensaia um espetáculo sobre o cantor.
Nesse metateatro, há as figuras-chaves do ator (Andrada), da atriz (Inez Vianna), do diretor (Marcelo Caridade) e do autor (Marcelo Vianna, neto de Pixinguinha).
Em meio aos titubeios sobre a criação, eles vão dando asas aos personagens. Andrada é sempre Orlando Silva. Na caracterização, preocupa-se menos com a fidelidade do registro de voz, ainda que se aproxime da dicção e emissão da época, e mais com o que acredita ser a dimensão humana do homenageado.
Andrada procura estabelecer alguma verossimilhança física e vocal no repertório de 22 canções eleitas para o espetáculo, do universo de cerca de 1.400 que Silva interpretou na carreira (leia parte do roteiro nesta página).
Inez Vianna, que vem de encarnar Elis Regina há pouco, em outro musical, responde pela mulher do cantor, Maria de Lourdes, bem como pela amante, a radioatriz Zezé Fonseca, com quem viveu turbulenta paixão.
Entre outros papéis, Marcello Caridade interpreta o compositor Alberto Simões da Silva, o "Bororó", que ouviu Silva nos corredores da Rádio Cajuti, em 1934, e o apresentou a Francisco Alves, seu grande incentivador.
Já Marcelo Vianna, neto de Pixinguinha, passeia por nomes como Francisco Alves, o "rei da voz", e o compositor Cristóvão de Alencar, locutor e parceiro de nomes como Noel Rosa, Ataulfo Alves, Nássara e Wilson Batista.
Sobre o percurso pessoal de Orlando Silva, duas passagens emocionam mais Andrada, ambas citadas em cena. Aquela quando o adolescente passa um ano sobre a cama, paralisado, por causa da queda que sofrera de um bonde, aos 16 anos (amputou quatro dedos do pé esquerdo).
E aquela quando o futuro cantor sofria de grave doença na gengiva e teve todos os dentes extraídos por erro de um dentista, dor minimizada pela morfina.
"Ele fundou uma linguagem, mudou a maneira de cantar. Brincava muito com a letra dentro da melodia, por exemplo, declamando, cantarolando aqui e ali", afirma Andrada.
A identificação do público com o musical, deduz o ator, tem a ver também com "a saudade de um Brasil que ainda tinha muita esperança, isso cala fundo".
No final, Andrada representa solilóquio com declarações de Silva à imprensa, na década de 70. Numa delas, ele afirma que o drama do Brasil é envelhecer. Se a infância já era um problema, imagine a velhice, o esquecimento em pleno "país do futuro". Nada de novo. Ainda bem que resiste a tão esquecida memória.

Biografias musicais
As biografias musicais se tornaram uma tendência da cena carioca nos últimos anos.
Além de Orlando Silva, foram montados recentemente espetáculos sobre a vida e a obra de cantores ou compositores como Cartola, Geraldo Pereira, Isaurinha Garcia, Clara Nunes e Gonzaguinha, este recentemente apresentado em São Paulo.


ORLANDO SILVA - O CANTOR DAS MULTIDÕES. Texto: Antonio De Bonis e Fátima Valença, baseado no livro homônimo de Jonas Vieira. Direção: Antonio De Bonis. Direção musical: Marcelo Neves. Cenário: Beli Araújo. Figurinos: Ney Madeira. Iluminação: Adriana Ortiz. Com: Tuca Andrada, Inez Vianna, Marcello Caridade e Marcelo Vianna. Onde: Sesc Vila Mariana - teatro (r. Pelotas, 141, tel. 0/xx/11/5080-3000). Quando: estréia amanhã; sex. e sáb, às 18h e 21h; dom., às 18h. Até 19/12. Quanto: R$ 15 a R$ 30.


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