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ANÁLISE
Cantor inaugurou o mito da urgência na cultura pop nacional
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
A história vai ficando cada
vez mais longínqua, parece
até pertencer a alguma outra civilização. Cantores arrancavam o
vozeirão do peito, com medo de
que os discões não conseguissem
registrar suas vozes. O samba e as
pequenas narrativas faziam o sumo da canção popular. Cinema e
música batucavam trajetórias paralelas, ídolos da voz fazendo a
vez de galãs de chanchadas e vice-versa.
O mulato carioca Orlando Silva
(1915-78) foi a um tempo paradigma e elemento desafiador do período de fixação da música popular brasileira gravada, aquela que
reconhecemos até hoje, mesmo
imersos em raps e tecnos. Tido
freqüentemente como principal
intérprete masculino de seu tempo (começou a gravar há 70 anos),
soube fazer jus à era dos vozeirões; mas o seu era delicado, contrário aos arroubos que quase todos os outros cometiam. Pertencerá para sempre a seu imaginário
a interpretação de um dos maiores clássicos brasileiros, a carinhosíssima "Carinhoso" (37).
Brotaram de sua garganta canções que hoje os brasileiros pensam existirem desde a invenção
da espécie: "Rosa" (37), "Alegria"
(37), "A Jardineira" (38), "Nada
Além" (38) "Louco" (43), "Atire a
Primeira Pedra" (43)...
No derramamento, sua garganta começou a secar. Embebido de
sucesso e fama, foi dividindo a
paixão pela música com amores
intensos (mas destrutivos), dependência extrema de morfina,
alcoolismo. Protagonista precoce
do mito da urgência e da velocidade na cultura de massas (no pop,
futuramente), arrastou com dignidade uma carreira declinante
que tentaria durar até a chegada
também precoce da morte, aos 62
anos. Aí a MPB já era outra civilização, na qual Orlando não cabia.
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