São Paulo, quinta-feira, 14 de outubro de 2004

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ANÁLISE

Cantor inaugurou o mito da urgência na cultura pop nacional

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

A história vai ficando cada vez mais longínqua, parece até pertencer a alguma outra civilização. Cantores arrancavam o vozeirão do peito, com medo de que os discões não conseguissem registrar suas vozes. O samba e as pequenas narrativas faziam o sumo da canção popular. Cinema e música batucavam trajetórias paralelas, ídolos da voz fazendo a vez de galãs de chanchadas e vice-versa.
O mulato carioca Orlando Silva (1915-78) foi a um tempo paradigma e elemento desafiador do período de fixação da música popular brasileira gravada, aquela que reconhecemos até hoje, mesmo imersos em raps e tecnos. Tido freqüentemente como principal intérprete masculino de seu tempo (começou a gravar há 70 anos), soube fazer jus à era dos vozeirões; mas o seu era delicado, contrário aos arroubos que quase todos os outros cometiam. Pertencerá para sempre a seu imaginário a interpretação de um dos maiores clássicos brasileiros, a carinhosíssima "Carinhoso" (37).
Brotaram de sua garganta canções que hoje os brasileiros pensam existirem desde a invenção da espécie: "Rosa" (37), "Alegria" (37), "A Jardineira" (38), "Nada Além" (38) "Louco" (43), "Atire a Primeira Pedra" (43)...
No derramamento, sua garganta começou a secar. Embebido de sucesso e fama, foi dividindo a paixão pela música com amores intensos (mas destrutivos), dependência extrema de morfina, alcoolismo. Protagonista precoce do mito da urgência e da velocidade na cultura de massas (no pop, futuramente), arrastou com dignidade uma carreira declinante que tentaria durar até a chegada também precoce da morte, aos 62 anos. Aí a MPB já era outra civilização, na qual Orlando não cabia.


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