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São Paulo, sexta-feira, 14 de novembro de 2003

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CRÍTICA

Cosméticos invadem selva em "Vaidade"

XICO SÁ
CRITICO DA FOLHA

Em vez do urucum e outras tinturas naturais, a selva amazônica se lambuza mesmo é de Avon e assemelhados. Das índias, que adoram andar cheirosas e de bocas vermelhas, aos garimpeiros. "Vaidade", documentário de Fabiano Maciel, do Rio de Janeiro, narra a história das vendedoras de cosméticos do Pará, Estado que mais consome produtos dessa linha no Brasil.
Na terra do tecno-brega e das aparelhagens -as equipes de som que chacoalham o coração da selva-, muita gente, homens e mulheres, gasta mais na compra de mercadorias da beleza do que na alimentação. Quem anda por Belém sente de longe o cheiro das caboclas a incensar as calçadas e beiras de rio. É uma cidade que ama música, com a sua guitarrinha que é caso particular no país, e o perfume.
A origem de tanto zelo está fincada na civilização indígena, com a sua queda por um banho atrás do outro, a mania que tanto espantava os europeus chegados por essas plagas. Foi aí, no voyeurismo dedicado aos mergulhos das indiazinhas, que os portugueses tomaram um pouco de gosto pelo asseio.
"Vaidade" mostra como os paraenses mantém os cuidados mais antigos com a beleza, mesmo que o urucum tenha sido trocado pela Avon etc. As vendedoras, personagens centrais do documentário, se largam rios e igarapés adentro para levar suas sacolas de novidades. Na frente dos espelhinhos, as caboclas se acendem. Só os tolos não acreditam na aparência, é o que dizem com os seus olhos, aforismo das antigas.
Bem dirigido por Fabiano Maciel, o filme tem uma delicadeza de narrativa que faz o batom mais "cheguei" parecer uma tintura indígena. As falas simples também funcionam como defesa demasiadamente humana da vaidade. Tudo como um gloss brilhoso sobre lábios de morenas cor de açaí, tudo assim, brega como carta de amor. Simara, ex-prostituta vendedora de cosméticos na selva, que o diga.
Além dos arredores da capital, o documentário alcança os municípios de Santarém e Cripurização, terra de garimpo. As vendedoras de cosméticos, sacoleiras ou "marreteiras", dependendo da área do país, formam uma rede tão importante que já foram usadas até pelo maquiavelismo do marketing eleitoral, como na campanha de Fernando Collor, em 1989. Muitas delas eram pagas para defender a tal candidatura na conversa com os fregueses.
As moças de "Vaidade", no entanto, só levam brilho e auto-estima nos seus barcos e canoas.


Vaidade   
Quando: amanhã, às 13h30, no GNT



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