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CRÍTICA
Cosméticos invadem selva em "Vaidade"
XICO SÁ
CRITICO DA FOLHA
Em vez do urucum e outras
tinturas naturais, a selva
amazônica se lambuza mesmo é
de Avon e assemelhados. Das índias, que adoram andar cheirosas
e de bocas vermelhas, aos garimpeiros. "Vaidade", documentário
de Fabiano Maciel, do Rio de Janeiro, narra a história das vendedoras de cosméticos do Pará, Estado que mais consome produtos
dessa linha no Brasil.
Na terra do tecno-brega e das
aparelhagens -as equipes de
som que chacoalham o coração
da selva-, muita gente, homens
e mulheres, gasta mais na compra
de mercadorias da beleza do que
na alimentação. Quem anda por
Belém sente de longe o cheiro das
caboclas a incensar as calçadas e
beiras de rio. É uma cidade que
ama música, com a sua guitarrinha que é caso particular no país,
e o perfume.
A origem de tanto zelo está fincada na civilização indígena, com
a sua queda por um banho atrás
do outro, a mania que tanto espantava os europeus chegados
por essas plagas. Foi aí, no voyeurismo dedicado aos mergulhos
das indiazinhas, que os portugueses tomaram um pouco de gosto
pelo asseio.
"Vaidade" mostra como os paraenses mantém os cuidados
mais antigos com a beleza, mesmo que o urucum tenha sido trocado pela Avon etc. As vendedoras, personagens centrais do documentário, se largam rios e igarapés adentro para levar suas sacolas de novidades. Na frente dos
espelhinhos, as caboclas se acendem. Só os tolos não acreditam na
aparência, é o que dizem com os
seus olhos, aforismo das antigas.
Bem dirigido por Fabiano Maciel, o filme tem uma delicadeza
de narrativa que faz o batom mais
"cheguei" parecer uma tintura indígena. As falas simples também
funcionam como defesa demasiadamente humana da vaidade. Tudo como um gloss brilhoso sobre
lábios de morenas cor de açaí, tudo assim, brega como carta de
amor. Simara, ex-prostituta vendedora de cosméticos na selva,
que o diga.
Além dos arredores da capital, o
documentário alcança os municípios de Santarém e Cripurização,
terra de garimpo. As vendedoras
de cosméticos, sacoleiras ou
"marreteiras", dependendo da
área do país, formam uma rede
tão importante que já foram usadas até pelo maquiavelismo do
marketing eleitoral, como na
campanha de Fernando Collor,
em 1989. Muitas delas eram pagas
para defender a tal candidatura na
conversa com os fregueses.
As moças de "Vaidade", no entanto, só levam brilho e auto-estima nos seus barcos e canoas.
Vaidade
Quando: amanhã, às 13h30, no GNT
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