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LIVRO - LANÇAMENTOS
Guerra fria no Everest
IVAN FINOTTI
da Reportagem Local
Lançado há
um ano nos
EUA e agora no
Brasil, "A Escalada", de Anatoli Boukreev e
Weston DeWalt,
chega com uma
nova versão de uma das maiores
tragédias da história do alpinismo,
em que oito pessoas morreram no
Everest, em maio de 96.
Em 97, o desastre se transformou
em um enorme sucesso literário
pelas mãos do jornalista norte-americano Jon Krakauer.
Seu best seller "No Ar Rarefeito"
(Companhia das Letras) escalou
inclusive a lista dos mais vendidos
no Brasil -chegou ao primeiro lugar em março deste ano.
Já "A Escalada" (editora 34) é
uma resposta direta ao livro de
Krakauer. Um de seus autores, o
russo Anatoli Boukreev, responde
a acusações de negligência lançadas contra ele em "No Ar Rarefeito". "A Escalada" vai além e inverte
os papéis. Nele, Boukreev é o herói
e Krakauer, o vilão.
Boukreev nem chegou a ver seu
livro entrar nas listas de best sellers
nos EUA. Ele morreu soterrado
por uma avalanche no Himalaia
em dezembro de 97, um mês após
o lançamento da obra.
O pano de fundo para a disputa é
o mesmo. Em 10 de maio de 1996,
uma tempestade pegou de surpresa 26 alpinistas que desciam do topo do Everest. Mais de dez eram
clientes que pagaram até US$ 65
mil para escalar a montanha em
expedições turísticas.
Oito deles não conseguiram retornar às suas barracas. Alguns
morreram a apenas 20 minutos de
caminhada do abrigo. Outros perderam mãos e dedos devido à necrose provocada pelo frio.
Krakauer era integrante de uma
dessas expedições -fazia uma reportagem para a revista americana
"Outside" sobre o crescimento do
turismo no Everest. Boukreev era
guia em outra expedição.
Os livros de ambos tratam dessa
mesma tragédia, falam dos mesmos personagens, são baseados
em depoimentos dos mesmos alpinistas. Entretanto, seus finais são
divergentes.
Em sua narrativa, Krakauer acusa Anatoli Boukreev de descer do
pico do Everest antes da chegada
dos clientes. Se tivesse esperado,
talvez o russo ajudasse a salvar vidas que estavam sob sua responsabilidade como guia, raciocina o
americano.
O livro de Krakauer foi publicado originalmente em abril de 97.
Em novembro, saía "A Escalada",
em que Boukreev dava sua versão
dos fatos ao cinegrafista e escritor
Weston DeWalt. Após a morte do
russo, DeWalt assumiu seu posto
na guerra fria contra Krakauer.
O livro de Boukreev e DeWalt
apresenta Krakauer como um péssimo alpinista, que pede, por
exemplo, o oxigênio dos colegas
após terminar o seu.
Por outro lado, "A Escalada" evidencia o resgate que o russo empreendeu sozinho na noite de 10 de
maio, salvando da morte três alpinistas perdidos e semicongelados
no meio de uma nevasca.
Krakauer fala desse resgate em
"No Ar Rarefeito" e reconhece a
bravura do russo, mas não tanto
quanto este gostaria.
Assim, "A Escalada" traz reportagens de jornais e entrevistas que
atribuem a Boukreev "um dos
mais impressionantes resgates da
história do montanhismo".
Quanto ao fato de ter descido do
pico antes dos clientes, Boukreev
afirma que foram ordens do chefe
de sua expedição -que morreu
congelado na ocasião. Estando
descansado e aquecido, o russo
poderia voltar e ajudar os retardatários, se fosse preciso.
Boukreev e DeWalt acusam Krakauer de omitir essas informações
apenas para transformar o russo
no vilão de seu livro (leia entrevista
com Weston DeWalt ao lado).
Krakauer admite que tomou conhecimento desse "plano". E afirma que não publicou a informação
porque outras entrevistas o fizeram acreditar que o "plano" nunca
existiu realmente.
˛
Polêmica
A polêmica dividiu a comunidade de alpinistas em todo o mundo.
Um padrão pode ser notado. Respeitadíssimos montanhistas que
estavam no Everest no dia da tragédia concordam, em sua maioria,
com a visão de Jon Krakauer. E respeitadíssimos montanhistas que
não estavam no Everest naquele
dia, escolheram o lado de Anatoli
Boukreev.
Entre eles, circulam boatos de
que tanto Krakauer quanto DeWalt ainda estão pegando leve um
com o outro.
Defensores de Boukreev afirmam possuir uma entrevista gravada provando que Krakauer deliberadamente deixou de ajudar um
alpinista em apuros naquele dia.
Já os aliados de Krakauer ventilaram que há muito ainda para ser
contado sobre o que aconteceu.
Casos de adultério e uso de drogas
na alta montanha teriam sido, até
agora, mantidos em segredo.
Krakauer e DeWalt debateram
há três meses na Internet (www.salonmagazine.com/wlust/ feature/
1998/08/cov- 03feature3.html).
São dezenas de páginas, em inglês,
detalhando cada discordância.
Independente da polêmica, ambos os livros contam a história arrepiante com competência.
"No Ar Rarefeito" tem o mérito
de introduzir muito bem o assunto. Qualquer morador de cidade
grande, acostumado a um sofá, vai
entender para que serve cada instrumento de escalada e os problemas físicos e mentais enfrentados
acima dos 8.000 metros -onde o
oxigênio é raro.
"A Escalada" não tem essa preocupação didática -afinal, são as
memórias de um alpinista profissional. Por outro lado, o livro conta casos interessantes de quem vive
desse esporte.
Certa vez, após a perda do apoio
governamental em consequência
do fim da União Soviética, Boukreev foi obrigado a vender seu
equipamento de escalada no Himalaia para poder comprar uma
passagem de volta para casa.
A edição brasileira de "A Escalada" traz o subtítulo "A Verdadeira
História da Tragédia no Everest".
Não é o subtítulo original, cuja tradução seria "Ambições Trágicas
no Everest".
Mas a edição brasileira de "No Ar
Rarefeito" também foi ligeiramente adulterada. O subtítulo "Um Relato da Tragédia no Everest em
1996" era originalmente "Uma
Avaliação Pessoal do Desastre do
Monte Everest". Segundo a Companhia das Letras, Krakauer não
dá mais entrevistas sobre o livro.
˛
Livro: A Escalada
Autores: Anatoli Boukreev e Weston
DeWalt
Lançamento: editora 34
Quanto: R$ 28 (320 págs.)
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