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DISCO - LANÇAMENTOS
História do samba é revisada em pacotão
David Drew Zingg/Folha Imagem
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O carioca Pìxinguinha (1897-73), relembrado em volume que inclui a íntegra do clássico "Gente da Antiga" |
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local
Até há dois anos a principal responsável pela reedição de música
popular brasileira histórica em
pacotes de luxo, neste ano a EMI
se confinou às coleções de preço
popular, em especial na série
"Raízes". Ao longo do ano, saíram
os pacotes "Raízes Sertanejas" e
"Raízes Nordestinas", agora é a
vez de "Raízes do Samba".
São 26 títulos, cada um dedicado a um artista ou conjunto que integrou, em
algum momento, os elencos de
Odeon, Copacabana e Tapecar
(todas hoje aglomeradas nas entranhas da EMI).
Seguem o padrão indigente da
série, de encartes quase ocos e capas nonsense (o padrão aqui são
fotos mal recortadas sobre os cariocas arcos da Lapa ao fundo,
mesmo que o focalizado seja o
paulista Adoniran Barbosa, o
baiano Dorival Caymmi ou a mineira Clara Nunes -ê, gafe).
O passeio histórico começa por
Carmen Miranda (em seleção
concisa e certeira) e Pixinguinha
(com fonogramas de três momentos distintos -inclusive a íntegra do sensacional LP "Gente da
Antiga", de 68, com João da Baiana e Clementina de Jesus-, que
clamam por relançamento urgente das formas originais).
Dorival Caymmi (talvez o maior
sambista que se iniciou na Odeon
e que lá sempre permaneceu, traçando histórias paralelas) merece
volume privilegiado, com faixas
menos óbvias (e divertidíssimas)
como "Fiz uma Viagem", "365
Igrejas" e "Vestido de Bolero".
Outros sambistas heróicos que
recebem apanhados abrangentes
são Moreira da Silva (numa viagem genial pelo breque e pela malandragem) e Demônios da Garoa
(embora regravações cansadas de
"Tiro ao Álvaro" e "Trem das 11"
tornem a compilação irregular);
Adoniran Barbosa, autor nº 1 daquele conjunto quase caipira de
samba paulista, só é contemplado
por gravações dos 70 e em duetos.
Na transição para a bossa
De discípulos do samba de breque de Moreira da Silva vêm dois
dos grandes momentos da coleção, dedicados a Jorge Veiga e Roberto Silva, cantores virtuosos
que tanto aperfeiçoaram a tradição do samba de síncope quanto
anteciparam o veludo da bossa
nova que ia chegar. De Jorge Veiga encontram-se aqui o vozeirão,
os arranjos cheios de charme
("Faustina") e os sambas de temática altamente irônica ("Café Soçaite", "Estatutos de Gafieira").
Vem então a transição rigorosa
estabelecida por Elizeth Cardoso
-outra daqueles que fazem a história da EMI-Odeon se confundir
com suas próprias e que nunca
mereceram reedição suficiente de
suas obras (caso de Caymmi, Clementina de Jesus, Elza Soares e do
aqui ausente Wilson Simonal).
(Deve-se lembrar, a esta altura,
que a corrente bossa-novista implementada por João Gilberto entre 1958 e 1960 -e que revolucionou para sempre o samba- foi
registrada na Odeon e, apesar de
tão celebrada pelos quatro ventos,
está fora de alcance por conta de
desavenças entre João e a EMI).
Novos e tardios nos 60
Então, chegam os sessentistas
-outro agrupamento sem retoques de "Raízes do Samba".
Aqui está Elza Soares, em volume que contempla não só a crooner de samba-jazz do início, mas
também a fase Tapecar, dos 70, de
"Salve a Mocidade", do ritualismo, do afro-samba, das macumbas mil. Há também seu contemporâneo Jair Rodrigues, mas só na
fraca fase 85-87 (porque a dos 60,
toda fora de catálogo, era da Philips, hoje Universal).
Aqui estão as tardo-revelações
Nelson Cavaquinho e Clementina
de Jesus, que tinham furor para
ter brilhado desde décadas antes,
mas só foram reencontrados no
meio dos 60, muito pelos méritos
de gente como Elizeth, Nara Leão
e Hermínio Bello de Carvalho.
O volume de Cavaquinho é da
voz bêbada zanzando sobre maravilhas como "A Flor do Espinho", "Juízo Final", "Rugas",
"Luz Negra", "Folhas Secas".
O de Clementina é da voz bruta
jogando efeito dionisíaco sobre os
mais avassaladores rituais de
samba, África e Brasil. Sua obra
original, quase toda sob poder da
EMI, continua em grande parte
inédita em CD, à revelia de catedrais aqui amontoadas, como
"Moro na Roça", "Madrugada",
"Na Linha do Mar", "Pergunte ao
João", "Tava Dormindo", "Olhos
de Azeviche", "Na Hora da Sede",
"Tute de Madame", tantas...
Paulinho da Viola, sambista-revelação dos 60, aparece em apanhado-padrão, como Clara Nunes, sua mal compreendida versão feminina (e extrovertida). São
volumes de muito brilho e nada a
acrescentar a suas já relançadas (e
já desaparecidas) coleções.
Aí há Beth Carvalho, desde "Andança" (a toada de festival que infestou 68 e que não fazia suspeitar
a sambista por vir), mas até antes
de sua fase mais popular, da linha
"Coisinha do Pai" (essa aconteceu
na RCA; aqui, é samba de primeira e poucos grandes hits).
Híbridos e bregas nos 70
Abrem-se as comportas para os
sambistas dos anos 70, e o cenário
já é de certa fragmentação, de tendências variadas e dispersas.
Ouvem-se aqui discípulos do
samba à Paulinho da Viola e/ou
Martinho da Vila -João Nogueira, Roberto Ribeiro, o obscuro
Partido em Cinco (conglomerado
iniciador do partido alto, sob
sambas de Monarco, Candeia e
Wilson Moreira), a pagodeira Leci Brandão (em sua fase mais consistente), mais adiante o diluído
Almir Guineto.
Ouve-se Bebeto, um injustiçado
discípulo (bem, mais para copiador, mas sempre com muito
know-how) de Jorge Ben, que nas
bem-aprendidas fórmulas de mulher/futebol/samba África-Brasil
reapresenta-se na coleção como
um talento algo injustiçado.
Ouvem-se certos híbridos, como o "sambista de MPB" Gonzaguinha e dois integrantes do que
se poderia chamar "sambrega",
Benito "meu amigo Charlie
Brown" di Paula e Luiz "aquele
lencinho" Ayrão (tão híbrido que
oferecera a Roberto Carlos o hit
"Ciúme de Você", em 68).
Ouve-se, enfim, mais uma tardo-revelação, Ivone Lara, sambista de fibra que, apesar de nascida
em 1922, só em 1978 tornou-se
mais popular, a bordo do sucesso
de "Sonho Meu" e "Alguém me
Avisou" (só a primeira está na coletânea, mas sua voz macia se derrama por muito mais).
E, então, bem... Então, acabou.
Coleção: Raízes do Samba (26 títulos)
Lançamento: EMI/Copacabana
Quanto: R$ 15, em média, cada CD
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