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DRAUZIO VARELLA
O silêncio diante da explosão demográfica
Nasce gente depressa demais no Brasil. Na Copa do
Mundo de 1970, éramos 90 milhões em ação num país desigual;
em 30 anos, dobramos a população e multiplicamos os problemas
sociais.
Otimistas irresponsáveis, procuramos consolo para essa explosão
demográfica absurda nos dados
do IBGE que mostram queda progressiva da natalidade nos últimos 50 anos. De fato, a média de
6,2 filhos por mulher brasileira
existente em 1950 caiu para 4,4 filhos em 1980 e para 2,3 no ano
2000.
Quando a análise se baseia no
poder aquisitivo das famílias que
dão origem à maioria das crianças, no entanto, essa impressão
tranquilizadora desaparece imediatamente. Por exemplo, em
1980, na faixa etária dos 15 aos 19
anos, em que se concentra grande
parte das mães de baixa renda,
para cada 100 mulheres, nasciam
8 filhos; hoje nascem 9,1.
Antigamente, forças sociais
mais coesas pressionavam o homem a assumir a responsabilidade da manutenção dos filhos que
trazia ao mundo. Em muitas regiões do país, negar-se a casar
com a namorada grávida significava fugir da cidade ou risco iminente de morte. O aumento do
grau de independência econômica duramente conquistado pelas
mulheres e a aceitação de modelos menos coercitivos de comportamento sexual, mesmo nas pequenas comunidades, teve como
consequência perversa o aumento
vertiginoso da porcentagem de
crianças menores de seis anos
criadas sob responsabilidade exclusiva das mães (de 10,5% para
quase 18%) nos últimos dez anos.
No total, 4 milhões de crianças
brasileiras vivem nessa situação,
mais da metade das quais em domicílios com renda mensal abaixo de dois salários mínimos.
Em cidades como Recife e Salvador, um terço das crianças vive
só com as mães. E moram com
mães que ganham menos do que
dois salários mínimos 78% das
crianças maranhenses, 77% das
piauienses e 69% das cearenses e
das paraibanas. Sem contar que
muitas vezes são os avós maternos que assumem os encargos dos
netos inesperados, agravando a
falta de espaço na moradia e empobrecendo a família inteira.
Meninas e meninos criados nessas comunidades pobres dependerão de enormes investimentos em
políticas sociais para sobreviver
com o mínimo de dignidade. Virão ao mundo em maternidades
públicas, precisarão de postos de
saúde, programas de distribuição
de leite, escolas e hospitais gratuitos, merenda escolar, casas populares e, mais tarde, polícia nas
ruas e cadeia para prender os que
não se comportarem como cidadãos de respeito.
A tragédia social que esses números revelam está diante de todos. Os primeiros sinais de que estamos chegando à periferia de
uma cidade brasileira são as casas sem reboco e a criançada na
rua. Meninas em idade de brincar com boneca carregam filhos
no colo; mulheres de 30 e poucos
anos já são avós e há bisavós com
menos de 50. As cadeias estão
abarrotadas de presos cada vez
mais jovens.
Uma combinação cruel de irresponsabilidade coletiva com preconceitos sexuais contra as mulheres e covardia diante da ação
militante de grupos religiosos que
defendem ideologias medievais
contrárias a qualquer método de
contracepção impede-nos de adotar as medidas necessárias para
reduzir os danos resultantes do
nascimento de tantas crianças
que os pais não desejavam nem
terão condições de educar.
Por insensibilidade ao sofrimento alheio, agimos como se as
adolescentes pobres engravidassem encantadas pelo desejo da
maternidade precoce, como se a
mulher que pena para alimentar
três filhos na favela fizesse questão de dar à luz o quarto e o quinto bebê por mero capricho da alma feminina.
Nos anos 1970, quando somávamos apenas 90 milhões, em estranha convergência ideológica, os
militares no poder, a Igreja Católica e os comunistas eram contrários à implantação de políticas de
planejamento familiar. Os religiosos, pelas razões de sempre. Os
militares alegavam motivação estratégica: o aumento rápido da
população ajudaria a povoar regiões ermas em defesa da soberania nacional. Os comunistas esperavam que a pressão demográfica
acentuasse as contradições e
apressasse a deposição do capitalismo.
O resultado desses equívocos
grosseiros está aí! O número de
brasileiros duplicou, a periferia
das cidades incha sem parar, não
conseguimos construir escolas,
hospitais e habitações para atender à demanda crescente, nem cadeias no ritmo necessário para
acompanhar a velocidade com
que os bandidos arregimentam
seguidores nas comunidades carentes.
Nos últimos 50 anos, o conhecimento da fisiologia reprodutiva
humana permitiu desenvolver pílulas e injeções anticoncepcionais,
dispositivos intra-uterinos e diversos procedimentos cirúrgicos
de alta eficácia na prevenção da
gravidez indesejada. Baseadas
em evidências científicas, a Organização Mundial da Saúde e outras instituições nacionais e internacionais desenvolveram programas elaborados para a aplicação
segura dessas técnicas em países
como o nosso, em total respeito à
integridade física, à fisiologia sexual e aos valores culturais das
populações-alvo. Apesar da tecnologia disponível, entretanto, esses programas têm sido irresponsavelmente tímidos em relação à
magnitude do problema no Brasil.
O planejamento familiar deve
ser considerado prioridade absoluta em saúde pública. Os recursos necessários para levá-los às
populações mais carentes do país
são insignificantes quando comparados ao custo social da explosão de gestações não planejadas
dos dias atuais.
Nós, que poderíamos criar meia
dúzia de crianças sem depender
de recursos públicos, colocamos à
disposição de nossas famílias os
métodos mais eficazes de contracepção que a ciência foi capaz de
inventar, mas negamos acesso a
eles aos que mais necessitam limitar o tamanho da prole. Isso não é
apenas desumanidade, é crime de
omissão.
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