São Paulo, segunda, 14 de dezembro de 1998

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Leia íntegra do discurso do maestro

especial para a Folha

Leia a seguir o texto de apresentação do regente Leonard Bernstein ao "Concerto nš 1, para Piano e Orquestra", de Brahms, em 6 de abril de 1962, no Carnegie Hall, em Nova York. (AN)
"Não fiquem alarmados: Glenn Gould está aqui e já vai entrar.
Como vocês sabem, eu não tenho o hábito de falar antes de um concerto, com exceção dos ensaios abertos das quintas; mas estamos numa situação curiosa, que merece, a meu ver, uma ou duas palavras. Vocês estão prestes a escutar uma interpretação, digamos, pouco ortodoxa do "Concerto em Ré Menor', de Brahms, interpretação essa muito diferente de qualquer outra que eu jamais tenha ouvido ou até sonhado, para dizer a verdade, com seus andamentos especialmente lentos e suas recusas frequentes a seguir as indicações de dinâmica do compositor.
Não posso dizer que esteja em total acordo com a concepção de Gould. E isso dá margem a uma pergunta interessante: o que eu estou fazendo aqui, regendo o concerto?
Estou regendo porque Glenn Gould é um artista tão sério e cheio de valor que só se pode levar a sério qualquer coisa que ele tenha concebido de boa-fé. E sua concepção é interessante o bastante para me fazer sentir que vocês deveriam ouvi-la também.
Mas a pergunta ancestral permanece: num concerto, quem é o chefe? O solista ou o regente? A resposta, claro, é às vezes um, às vezes outro, dependo de quem for. Mas quase sempre os dois conseguem se unir, seja por meio de persuasão ou charme ou ameaças para chegar a uma interpretação coesa.
Uma única vez, na minha vida, tive de me submeter às idéias totalmente novas e incompatíveis de um solista. Foi na última ocasião em que acompanhei Glenn Gould. Mas a discrepância, agora, entre as nossas opiniões é tão grande que eu me sinto obrigado a essas palavras de esclarecimento.
Por que, então, repetindo a pergunta, estou aqui regendo? Por que não causar um pequeno escândalo e chamar outro solista ou deixar que um assistente tome o meu lugar?
Porque estou fascinado, contente de ter uma chance para ver com outros olhos essa peça tão tocada. Porque, além do mais, há certos momentos na interpretação de Gould que emergem com um frescor e uma convicção impressionantes. Em terceiro lugar, porque nós todos temos o que aprender com esse artista extraordinário, um intérprete que pensa. E, finalmente, porque há também na música aquilo que o maestro Dmitri Mitropolous costumava descrever como um elemento de brincadeira: aquele fator de curiosidade, aventura, experimentação.
Posso garantir para vocês que essa semana foi uma aventura, tocando o "Concerto' de Brahms com Glenn Gould. E é nesse espírito de aventura que nós vamos tocá-lo agora para vocês."



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