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CRÍTICA
Ironia é propulsora do CD
da Reportagem Local
A releitura de Noel Rosa por
Johnny Alf é pontuada por um
conjunto de demonstrações de
ironia mais que convenientes
para um artista sempre despreocupado com os ditames da
música como indústria.
A mais divertida delas aparece em "Não Tem Tradução".
Chico Buarque, em dueto, canta: "E esse negócio de 'alô',
'alô, boy', 'alô, Johnny'/ Só pode ser conversa de telefone".
Bem, fala isso justamente para Johnny, um dos responsáveis pela introdução irreversível dos saberes estrangeiros no
samba -aquilo que a letra de
Noel criticava.
A ironia é esta: trata-se da
única faixa em que Alf se permite improvisações jazzísticas.
Num esgar sarcástico, define
Noel como pré-bossanovista
-não é esse o rótulo eterno de
Alf? Pois é, Noel curva-se ao
samba-jazz. Mas não se pense
que o rebelde resolveu desrespeitar o espírito do fundador.
Não. Em geral, é Alf quem se
curva, devolvendo o sublime a
canções como "Com Que
Roupa?", de que o desgaste de
intermináveis regravações parecia já ter afastado a possibilidade da novidade.
Como ele o faz? Tornando
Noel fonte de excelência de interpretação, somente. Em sua
voz grave e despojada, revela-se, aos 68, o que seu fã Tim
Maia seria se fosse rigoroso: intérprete em contínua evolução,
cioso em cada nota da seriedade do ato de interpretar.
Em "Gago Apaixonado",
despe do anedótico a gagueira
do narrador -gagueja desapaixonado, como não gaguejasse. Diz "esto-tou fi-fi-ficando gago" repetindo as repetições de sílabas, mas -surpresa-, ao pronunciar "gago",
fica rouco, não gago. Gênio.
Ora canta a fossa da bossa
("Último Desejo") como fosse extrair o sofrimento da alma
-cilada em que não poucos
intérpretes costumam cair-,
mas escapa pela minúcia ao
distanciamento, à sabedoria de
não usar a alma em vão.
Outrora derrama grandeza
na música popular, cantando
"X do Problema" como ela é,
no feminino. Ignora a violência
de homens e mulheres mudarem os gêneros das canções para adaptá-las a seus sexos; dá-se
então a ironia de um vozeirão
daquele tamanho cantar "já
fui convidada para ser estrela
do nosso cinema". Gênio.
Por seu turno, os arranjos de
Leandro Braga disparam no irreparável quando se fazem brejeiros -"Palpite Infeliz",
"Gago Apaixonado"-, pontes matreiras entre Noel e Pixinguinha, mas caem na padronização se o assunto é fossa.
Aí, pouco restaria, se Alf não
soubesse proferir como profere versos desconcertantes
("luto preto é vaidade"), impermeáveis à compreensão
imediata, como são os de Noel.
Pena que sejam tão esparsas as
gravações de Johnny Alf.
(PAS)
Disco: Letra & Música Noel Rosa
Artistas: Johnny Alf & Leandro Braga
Lançamento: Lumiar
Quanto: R$ 18, em média
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