São Paulo, Sábado, 15 de Janeiro de 2000


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Para autor, diversificação precisa ter voz

em Paris

Fuentes falou ainda de seu processo de escritura, sobre novas mídias, como a Internet e das suas projeções para o século 21, que espera ser o século do crescimento da língua espanhola e da expansão do que considera "território de La Mancha".
Para o escritor, há "elementos de diversificação" nos Estados Unidos "que precisam ter voz" e, ainda segundo Fuentes, os políticos já começaram a compreender que têm de usar a língua para se aproximar dessas camadas tão diversas.
Leia abaixo a continuação da entrevista de Carlos Fuentes à Folha.

Folha - O sr. já disse não abrir mão da velha caneta e papel para escrever, mas não acredita que os computadores, a Internet em especial, possam ser instrumentos de criatividade e pluralidade cultural no próximo século?
Fuentes -
Não sei mexer com esses aparelhos, não uso a Internet nem o computador, eles não têm asas como as de um livro.
Na verdade, as tecnologias não são boas, nem más, tudo depende do uso que se faz delas. Acredito na possibilidade, por exemplo, de que por meio da Internet um estudante do México possa conversar com outro da Costa Rica, Uruguai e assim por diante.
O problema com os computadores é muito próximo ao da televisão comercial. Há crítica de livros, cinema, arte, mas não há uma crítica estruturada para analisar as novas mídias. Então é preciso que haja uma crítica dos meios de comunicação modernos e há de se democratizá-los entre as mais diversas classes sociais, nas escolas, como um meio educativo.

Folha - Sua correspondência com o escritor Octavio Paz faz parte da história da literatura, a decisão de guardá-la a sete chaves é mesmo definitiva?
Fuentes -
Isso fará parte da história da literatura dentro de 50 anos, depois de minha morte. Fui a pessoa que mais a fundo conheceu Octavio Paz, um dos maiores escritores de todos os tempos. Há muitas coisas ali que só dizem respeito a mim e a Octavio, às nossas querelas literárias, e elas serão divulgadas no momento certo.

Folha - "Los Años com Laura Diaz" não foi traduzido ainda para o português. O que o sr. poderia dizer a respeito desse livro para os seus leitores no Brasil?
Fuentes -
É basicamente a história de um país visto por uma mulher. É também uma reescritura de meu livro anterior "A Morte de Artêmio Cruz", só que neste havia um ponto de vista tipicamente masculino, machista até. Obviamente há aí também um retrato dos descaminhos da Revolução Mexicana.

Folha - Em "A Fronteira de Cristal", recentemente lançado no Brasil, o sr. critica o limite imaginário entre EUA e México. O México se reestruturou economicamente sobretudo com a ajuda norte-americana, mas no conto que dá título ao volume, em que um rapaz mexicano e uma publicitária norte-americana trocam olhares através de uma janela, o sr. parece mostrar que essa associação nem sempre é promissora, não é?
Fuentes -
Em termos. Não creio, por exemplo, que isso se aplique aos demais países latino-americanos. Não há um país que tenha a porção tão singular como o México, que é vizinho dos Estados Unidos, um país em desenvolvimento, latino, mestiço, católico, vizinho da potência principal do mundo, de cultura anglo-saxã, protestante.
O que sucede é que dentro dos EUA há elementos de diversificação que precisam ter voz. Não se entende que não há só uma história, a história contada pelos brancos, anglo-saxã e protestante, há também uma história afro-americana, uma história indo-americana, uma história latino-americana.
Isso, mesmo que inconscientemente, está gerando mesmo um movimento que obriga os candidatos à presidência dos Estados Unidos a falarem em espanhol para atrair o voto latino, negro, chinês, vietnamita, etc. É preciso que haja um movimento que apresente os EUA como um país multicultural e não mais monocultural.

Folha - A referência histórica é uma constante em sua literatura. Essa seria a verdadeira função da literatura?
Fuentes -
A literatura não se constrói no vácuo, tem uma relação com a história. Porém, não é outra a verdadeira função da literatura a não ser manter o vigor da língua e da imaginação.

Folha - E o próximo livro, qual será?
Fuentes -
Não digo nada, dessas coisas não se fala antes de o livro ter vida própria.


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