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LITERATURA
Culturas são impuras, diz Carlos Fuentes
SHEILA GRECCO
em Paris
"Num mundo em que se privilegia a idéia global e a falsa idéia de
unidade, só as culturas poderão
fazer renascer a diversidade", disse à Folha, em Paris, Carlos Fuentes, considerado o romancista vivo mais importante do México e
um dos maiores da atualidade.
Carlos Fuentes, autor de entre
outros livros "Gringo Velho", "A
Morte de Artêmio Cruz" e "A Laranjeira", ganhador do Prêmio
Cervantes, teve seu nome cogitado diversas vezes para o Prêmio
Nobel da Literatura. Estudou direito na Universidade do México
e no Institut des Hautes Études
Internationales, em Genebra (Suíça). Entre 1974 e 1977 desempenhou o cargo de embaixador do
México na França.
Amigo pessoal de Octavio Paz,
trocou com ele correspondências
durante três décadas. Os dois se
conheceram em Paris, em abril de
1950.
"Há muito de nossas querelas
nas correspondências, fui uma
das pessoas que mais profundamente conheceram Paz", disse em
relação ao conteúdo das cartas,
que mantém em sigilo.
Em sua passagem pela capital
francesa -no final de novembro
de 99, quando participou de uma
série de encontros com intelectuais para a formação de uma nova instituição internacional, a
Academia da Latinidade-, o escritor deu um longo depoimento
sobre a necessidade de os povos
de língua latina se unirem contra
a hegemonia linguística do inglês
e do papel fundamental dos intelectuais nesse processo.
Folha - Qual a importância das
línguas latinas hoje, frente à hegemonia do inglês? O sr. é otimista quanto ao projeto da Academia da Latinidade?
Carlos Fuentes - Sim, sou muito otimista com uma academia
que visa reunir não só os países e a
cultura de língua de origem latina,
como também os grupos falantes
de língua latina, como, por exemplo, os imigrantes que moram nos
Estados Unidos. Há 30 milhões de
pessoas que falam castelhano nos
EUA e esse número cresce a cada
dia. Dentro de poucas décadas,
metade de cada dez norte-americanos falará espanhol.
Há uma tendência de o espanhol assumir um lugar muito importante dentro dos EUA. Na ilha
de Porto Rico, por exemplo, depois de um século de dominação
americana, segue-se falando espanhol e as pessoas se recusam a
falar inglês. Isso quer dizer que a
latinidade tem muitas ramificações, mas uma das mais importantes para mim, como vizinho
dos EUA e mexicano, é manter o
vigor da língua espanhola, a imaginação desta que eu chamo de
território de La Mancha, o território de Dom Quixote.
Folha - Não há o risco de se
formar mais uma academia elitista, sem prática social?
Fuentes - Não, eu tenho insistido muito na necessidade de contarmos com o apoio dos jovens,
de estar em contato com a juventude em todos os países de língua
latina.
A academia nasceu de uma
idéia em formação. Não se pensa,
por exemplo, na necessidade de
criação de uma academia anglófona, porque a língua inglesa tem
hoje tal poder que dispensa isso.
Mas há que lembrar que o latim
foi a língua dominante ainda na
Idade Média, quando depois originou tantas outras línguas. Trata-se de recuperar uma história na
qual o latim foi a língua predominante. O inglês, tido hoje como
um latim moderno, é incorporado por países que nada têm de
origem anglo-saxã.
O projeto não trata de ilhar-se,
isolar-se, defender a pureza de nada. O mundo se move, as culturas
se movem. Tudo está em metamorfose, não há por que ter medo
da mudança, do contato. As culturas são mestiças e impuras, as
tradições são múltiplas.
De modo que, num contexto
em que se combate a idéia local,
privilegiando-se o contexto global, é necessário que as culturas
assumam o papel de intermediárias para intensificar e dar lugar à
diversidade.
A jornalista Sheila Grecco viajou a Paris
convite dos organizadores da Academia da
Latinidade
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