São Paulo, Sábado, 15 de Janeiro de 2000


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LITERATURA
Culturas são impuras, diz Carlos Fuentes

SHEILA GRECCO
em Paris

"Num mundo em que se privilegia a idéia global e a falsa idéia de unidade, só as culturas poderão fazer renascer a diversidade", disse à Folha, em Paris, Carlos Fuentes, considerado o romancista vivo mais importante do México e um dos maiores da atualidade.
Carlos Fuentes, autor de entre outros livros "Gringo Velho", "A Morte de Artêmio Cruz" e "A Laranjeira", ganhador do Prêmio Cervantes, teve seu nome cogitado diversas vezes para o Prêmio Nobel da Literatura. Estudou direito na Universidade do México e no Institut des Hautes Études Internationales, em Genebra (Suíça). Entre 1974 e 1977 desempenhou o cargo de embaixador do México na França.
Amigo pessoal de Octavio Paz, trocou com ele correspondências durante três décadas. Os dois se conheceram em Paris, em abril de 1950.
"Há muito de nossas querelas nas correspondências, fui uma das pessoas que mais profundamente conheceram Paz", disse em relação ao conteúdo das cartas, que mantém em sigilo.
Em sua passagem pela capital francesa -no final de novembro de 99, quando participou de uma série de encontros com intelectuais para a formação de uma nova instituição internacional, a Academia da Latinidade-, o escritor deu um longo depoimento sobre a necessidade de os povos de língua latina se unirem contra a hegemonia linguística do inglês e do papel fundamental dos intelectuais nesse processo.

Folha - Qual a importância das línguas latinas hoje, frente à hegemonia do inglês? O sr. é otimista quanto ao projeto da Academia da Latinidade?
Carlos Fuentes -
Sim, sou muito otimista com uma academia que visa reunir não só os países e a cultura de língua de origem latina, como também os grupos falantes de língua latina, como, por exemplo, os imigrantes que moram nos Estados Unidos. Há 30 milhões de pessoas que falam castelhano nos EUA e esse número cresce a cada dia. Dentro de poucas décadas, metade de cada dez norte-americanos falará espanhol.
Há uma tendência de o espanhol assumir um lugar muito importante dentro dos EUA. Na ilha de Porto Rico, por exemplo, depois de um século de dominação americana, segue-se falando espanhol e as pessoas se recusam a falar inglês. Isso quer dizer que a latinidade tem muitas ramificações, mas uma das mais importantes para mim, como vizinho dos EUA e mexicano, é manter o vigor da língua espanhola, a imaginação desta que eu chamo de território de La Mancha, o território de Dom Quixote.

Folha - Não há o risco de se formar mais uma academia elitista, sem prática social?
Fuentes -
Não, eu tenho insistido muito na necessidade de contarmos com o apoio dos jovens, de estar em contato com a juventude em todos os países de língua latina.
A academia nasceu de uma idéia em formação. Não se pensa, por exemplo, na necessidade de criação de uma academia anglófona, porque a língua inglesa tem hoje tal poder que dispensa isso.
Mas há que lembrar que o latim foi a língua dominante ainda na Idade Média, quando depois originou tantas outras línguas. Trata-se de recuperar uma história na qual o latim foi a língua predominante. O inglês, tido hoje como um latim moderno, é incorporado por países que nada têm de origem anglo-saxã.
O projeto não trata de ilhar-se, isolar-se, defender a pureza de nada. O mundo se move, as culturas se movem. Tudo está em metamorfose, não há por que ter medo da mudança, do contato. As culturas são mestiças e impuras, as tradições são múltiplas.
De modo que, num contexto em que se combate a idéia local, privilegiando-se o contexto global, é necessário que as culturas assumam o papel de intermediárias para intensificar e dar lugar à diversidade.


A jornalista Sheila Grecco viajou a Paris convite dos organizadores da Academia da Latinidade


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