São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 2006

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TV

A produção independente "Avassaladoras" custou R$ 3,2 mi; para críticos, redes usufruem de direitos, mas não têm deveres

Record exibe série produzida com dinheiro público

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A série "Avassaladoras", que a Record estréia no dia 27, custou R$ 3,2 milhões e foi produzida com recursos públicos. Inédita, a operação deverá se tornar uma tendência dentre as redes de TV.
A Record, uma concessão pública, não poderia se utilizar diretamente desse tipo de financiamento. O negócio só se tornou viável -e legal- porque a rede se associou a uma produtora independente nacional, a Total Entertainment (do Rio), e a um canal estrangeiro, a Fox, da TV paga.
Foram dois os mecanismos: R$ 3 milhões pela Ancine (Agência Nacional de Cinema) -que dá benefícios fiscais a distribuidores de cinema e canais estrangeiros que investem em audiovisual nacional- e R$ 200 mil pela Lei Rouanet -por meio da qual empresas deduzem do Imposto de Renda o investimento em cultura.
Entrevistados pela Folha defendem a abertura da Record à produção independente e o uso de verba pública na série. Mas questionam o fato de uma TV aberta comercial, que já é uma concessão pública, ser indiretamente beneficiada sem oferecer "contrapartidas". Deveria ter a obrigação de reservar parte da programação a independentes, além de pagar taxas para financiar o mercado audiovisual, na opinião de Assunção Hernandez, representante brasileira da Federação Ibero-Americana de Produtores de Cinema e Audiovisual. Para ela, o lobby das TVs faz com que tenham muitos direitos, mas poucos deveres.
Com ela concorda o sociólogo Laurindo Lalo Leal Filho, professor da USP e especialista em TV. "É positivo que o Estado canalize recursos para produções independentes e que a TV aberta dê espaço a elas. Mas, nesse tipo de operação, o canal comercial, que é uma concessão pública, acaba trabalhando sem risco algum e sem oferecer contrapartidas", diz.
O ineditismo da operação "Avassaladoras" deve gerar um debate a respeito dos limites do financiamento público, na avaliação de Gabriel Priolli, especialista em mídia e diretor de TV. "Felicito a Total e a Record pela associação. Mas é uma contradição interessante que TVs abertas comerciais exibam programas feitos com verba pública, enquanto as TVs públicas, como a Cultura, tenham sua programação financiada por dinheiro do mercado. O modelo de financiamento das TVs merece debate e ajustes."
Alexandre Raposo, presidente da Record, ressalta o fato de a rede ter ampliado o espaço à produção nacional de teledramaturgia. Para ele, a TV é uma empresa "que gera empregos, paga suas contas, faz seus investimentos e deveria ter incentivo do governo, como outros setores do mercado".
Walkiria Barbosa, sócia da Total, diz não ver problemas em a Record ser indiretamente beneficiada com o subsídio de "Avassaladoras". "O custo dos programas se torna mais acessível e há possibilidade maior da diversificação da programação. Quanto mais conteúdo nacional e independente na TV aberta, melhor. Só fortalece a cultura brasileira", acredita.
A Band também já foi indiretamente beneficiada por verba pública via Ancine, com os especiais de Chico Buarque produzidos pela operadora DirecTV. A diferença é que a rede entrou depois no negócio, com exibição muito atrasada em relação à TV fechada, e não houve um acordo prévio para a produção do programa.
De acordo com Marcelo Parada, vice-presidente da Rede Bandeirantes, "sozinha, a emissora não teria fôlego para fazer o programa". "É preciso usar toda forma de parceria que possibilite a captação de recursos para não depender dos intervalos comerciais. O custo da TV não comporta mais essa forma tradicional de financiamento. A conta não fecha."
O uso de verba pública, diz, "é legítimo" e o "grande beneficiário é o telespectador, que tem acesso a produtos de qualidade". "O entretenimento é uma indústria e, como tal, tem direito à credito para produzir. Se eu fosse do governo, não teria dúvida em fomentar ao máximo a teledramaturgia, o que seria bom para o mercado interno e para a exportação."
Maior produtora de conteúdo da TV brasileira, a Globo se abre em ritmo lento à produção independente e ainda não exibiu um programa feito com verba pública. Teve de bancar, por exemplo, os custos de "Carandiru - Outras Histórias" (produzido pela HB, de Hector Babenco, e dirigido pelo cineasta) e de "Cidade dos Homens" (da 02, direção de Paulo Morelli, sócio da produtora).
Não poderia ter usado leis de incentivo porque não havia um canal estrangeiro associado ao projeto. Além disso, a Globo costuma ficar com os "direitos patrimoniais" das obras, ou seja, compra as séries das produtoras. Para que houvesse captação, o produto não poderia ser propriedade da rede.
Sobre o fato de não ter captado verba pública para "Carandiru" e "Cidade dos Homens", a Central Globo de Comunicação afirma que "por incrível que pareça, as televisões abertas não podem usar esse recurso". "Como se vê, essa parceria com as produções independentes teria um estímulo ainda maior. A grande contradição é que as produtoras multinacionais, no entanto, podem captar esse dinheiro subsidiado."

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