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TV
A produção independente "Avassaladoras" custou R$ 3,2 mi; para críticos, redes usufruem de direitos, mas não têm deveres
Record exibe série produzida com dinheiro público
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
A série "Avassaladoras", que a
Record estréia no dia 27, custou
R$ 3,2 milhões e foi produzida
com recursos públicos. Inédita, a
operação deverá se tornar uma
tendência dentre as redes de TV.
A Record, uma concessão pública, não poderia se utilizar diretamente desse tipo de financiamento. O negócio só se tornou
viável -e legal- porque a rede
se associou a uma produtora independente nacional, a Total Entertainment (do Rio), e a um canal
estrangeiro, a Fox, da TV paga.
Foram dois os mecanismos: R$
3 milhões pela Ancine (Agência
Nacional de Cinema) -que dá
benefícios fiscais a distribuidores
de cinema e canais estrangeiros
que investem em audiovisual nacional- e R$ 200 mil pela Lei
Rouanet -por meio da qual empresas deduzem do Imposto de
Renda o investimento em cultura.
Entrevistados pela Folha defendem a abertura da Record à produção independente e o uso de
verba pública na série. Mas questionam o fato de uma TV aberta
comercial, que já é uma concessão
pública, ser indiretamente beneficiada sem oferecer "contrapartidas". Deveria ter a obrigação de
reservar parte da programação a
independentes, além de pagar taxas para financiar o mercado audiovisual, na opinião de Assunção
Hernandez, representante brasileira da Federação Ibero-Americana de Produtores de Cinema e
Audiovisual. Para ela, o lobby das
TVs faz com que tenham muitos
direitos, mas poucos deveres.
Com ela concorda o sociólogo
Laurindo Lalo Leal Filho, professor da USP e especialista em TV.
"É positivo que o Estado canalize
recursos para produções independentes e que a TV aberta dê
espaço a elas. Mas, nesse tipo de
operação, o canal comercial, que é
uma concessão pública, acaba trabalhando sem risco algum e sem
oferecer contrapartidas", diz.
O ineditismo da operação
"Avassaladoras" deve gerar um
debate a respeito dos limites do financiamento público, na avaliação de Gabriel Priolli, especialista
em mídia e diretor de TV. "Felicito a Total e a Record pela associação. Mas é uma contradição interessante que TVs abertas comerciais exibam programas feitos
com verba pública, enquanto as
TVs públicas, como a Cultura, tenham sua programação financiada por dinheiro do mercado. O
modelo de financiamento das
TVs merece debate e ajustes."
Alexandre Raposo, presidente
da Record, ressalta o fato de a rede
ter ampliado o espaço à produção
nacional de teledramaturgia. Para
ele, a TV é uma empresa "que gera empregos, paga suas contas, faz
seus investimentos e deveria ter
incentivo do governo, como outros setores do mercado".
Walkiria Barbosa, sócia da Total, diz não ver problemas em a
Record ser indiretamente beneficiada com o subsídio de "Avassaladoras". "O custo dos programas
se torna mais acessível e há possibilidade maior da diversificação
da programação. Quanto mais
conteúdo nacional e independente na TV aberta, melhor. Só fortalece a cultura brasileira", acredita.
A Band também já foi indiretamente beneficiada por verba pública via Ancine, com os especiais
de Chico Buarque produzidos pela operadora DirecTV. A diferença é que a rede entrou depois no
negócio, com exibição muito
atrasada em relação à TV fechada,
e não houve um acordo prévio para a produção do programa.
De acordo com Marcelo Parada,
vice-presidente da Rede Bandeirantes, "sozinha, a emissora não
teria fôlego para fazer o programa". "É preciso usar toda forma
de parceria que possibilite a captação de recursos para não depender dos intervalos comerciais. O
custo da TV não comporta mais
essa forma tradicional de financiamento. A conta não fecha."
O uso de verba pública, diz, "é
legítimo" e o "grande beneficiário
é o telespectador, que tem acesso
a produtos de qualidade". "O entretenimento é uma indústria e,
como tal, tem direito à credito para produzir. Se eu fosse do governo, não teria dúvida em fomentar
ao máximo a teledramaturgia, o
que seria bom para o mercado interno e para a exportação."
Maior produtora de conteúdo
da TV brasileira, a Globo se abre
em ritmo lento à produção independente e ainda não exibiu um
programa feito com verba pública. Teve de bancar, por exemplo,
os custos de "Carandiru - Outras
Histórias" (produzido pela HB,
de Hector Babenco, e dirigido pelo cineasta) e de "Cidade dos Homens" (da 02, direção de Paulo
Morelli, sócio da produtora).
Não poderia ter usado leis de incentivo porque não havia um canal estrangeiro associado ao projeto. Além disso, a Globo costuma
ficar com os "direitos patrimoniais" das obras, ou seja, compra
as séries das produtoras. Para que
houvesse captação, o produto não
poderia ser propriedade da rede.
Sobre o fato de não ter captado
verba pública para "Carandiru" e
"Cidade dos Homens", a Central
Globo de Comunicação afirma
que "por incrível que pareça, as
televisões abertas não podem usar
esse recurso". "Como se vê, essa
parceria com as produções independentes teria um estímulo ainda maior. A grande contradição é
que as produtoras multinacionais, no entanto, podem captar
esse dinheiro subsidiado."
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