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"Achei que um nome judeu me abriria as portas em Hollywood"
DA REVISTA DA FOLHA
David Cardoso foi batizado José
Darcy. O nome artístico ele escolheu pensando na carreira internacional. "Achei que um nome
judeu me abriria as portas em
Hollywood. Ser bem recebido pela colônia, ali, já era mais de meio
caminho andado."
O começo parece bem remoto.
Único filho homem entre cinco
mulheres, pai estróina, mãe resignada, Cardoso era melhor halterofilista do que aluno no grupo
escolar. Desembarcou em São
Paulo todo malhado, para morar
com uma tia; procurou o cineasta
Amácio Mazzaropi, conhecido
pelas comédias que levavam multidões ao cinema e por uma queda
por aspirantes a galãs.
Ninguém precisa perguntar,
Cardoso se adianta: "Nunca transei com homem. Às vezes, bêbado, até deixava pegarem". Mas ele
não esconde a excessiva admiração pelo próprio corpo, cujas medidas diz manter há 46 anos
(1,76m; 80kg). "Sempre mostrei
minha bunda nos filmes, mas era
de propósito. Atraía gente pra
burro", orgulha-se.
E continua a contar: diz que
Mazzaropi um dia ligou para convidá-lo para a festa de aniversário
da mãe dele. Cardoso se arrumou
todo. "Pega um táxi que eu pago",
disse Mazzaropi.
Ele tomou um ônibus, saltou
antes e superfaturou o reembolso.
"Aquilo me valeu umas três sessões de cinema", justifica.
Não houve festa. De acordo com
Cardoso, os dois conversaram um
pouco, Mazzaropi colocou na vitrola "Perfume de Gardênia"
("Perfume de gardenia/ que tienes em tu boca/perfume de gardenia...") e foi ao encontro dele.
"Vamos dançar, Cardoso..."
E David: "Fui o rei do rock, mas
não sei dançar bolero".
"Quem é que vai repará? Só tá
nóis dois", disse o comediante.
Cardoso recorda-se de que estava "sem saída e louco para ser galã". "Iniciamos os primeiros passos. Coisa de Fellini. O Mazza bem
mais baixo, com sua cabeça encostada no meu peito."
O amigo seguinte foi Agnaldo
Rayol, com quem morou junto:
ele, a primeira mulher (foram três
"fixas") e três filhos (agora são
quatro). Essas passagens do início
ainda levantam suspeitas sobre
sua sexualidade, mas Cardoso
não liga. Acha até que ajudam a
identificá-lo como "artista".
"Sempre tive fascínio pelas histórias proibidas do meio artístico."
Atualmente lendo a biografia de
Randolph Scott, ele conta empolgado que o ator americano foi
bancado pelo multimilionário
Howard Hughes e teve uma amizade suspeita com Cary Grant. Ou
seja, ele, Cardoso, tem tudo a ver
com Hollywood.
Só se assustou quando esteve na
casa do ator Sal Mineo, nos EUA,
para comprar os direitos de uma
peça e viu que ele mantinha um
busto em tamanho natural de James Dean na cabeceira da cama.
"Achei muita obsessão. E olha
que eu não vejo problema na opção sexual das pessoas. Tenho todos os discos da Bethânia, adoro."
Cardoso não mede as conseqüências do que fala. Diz que, por
causa disso, perdeu oportunidades profissionais e dinheiro. Processado por uma atriz por ter afirmado publicamente que "broxara" com ela, foi obrigado a pagar
indenização de R$ 200 mil.
"Tive de posar pelado para a "G
Magazine" para pagar."
Ao posar, teve dificuldade em
conseguir uma ereção. Foi preciso
evocar lendas da adolescência.
"Mentalizei a Anita Ekberg, a Sophia Loren. Prefiro as cheias."
Caminhando no sítio, ele se lamenta indo da piscina vazia para
o cineminha abandonado, e dali
para o barracão onde guarda cartazes, gruas, fotos, luvas de boxe,
halteres e pilhas de latas de filmes.
"Você acredita que eu quis doar
isso para fazerem um museu, e
ninguém aqui no meu Estado se
interessou?", pergunta, indignado, espantando um morcego.
Enquanto escolhe com o fotógrafo os elementos que farão parte da produção da imagem, vai
tendo idéias: "Eu acho que vocês
deveriam escrever uma matéria
sobre ícones. Pelé, Elvis, Beatles
e..." Como já é tarde para negar a
intenção de se incluir, ele segue
em frente. "A pornochanchada
marcou muito!" (PSp)
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