São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 2006

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"Achei que um nome judeu me abriria as portas em Hollywood"

DA REVISTA DA FOLHA

David Cardoso foi batizado José Darcy. O nome artístico ele escolheu pensando na carreira internacional. "Achei que um nome judeu me abriria as portas em Hollywood. Ser bem recebido pela colônia, ali, já era mais de meio caminho andado."
O começo parece bem remoto. Único filho homem entre cinco mulheres, pai estróina, mãe resignada, Cardoso era melhor halterofilista do que aluno no grupo escolar. Desembarcou em São Paulo todo malhado, para morar com uma tia; procurou o cineasta Amácio Mazzaropi, conhecido pelas comédias que levavam multidões ao cinema e por uma queda por aspirantes a galãs.
Ninguém precisa perguntar, Cardoso se adianta: "Nunca transei com homem. Às vezes, bêbado, até deixava pegarem". Mas ele não esconde a excessiva admiração pelo próprio corpo, cujas medidas diz manter há 46 anos (1,76m; 80kg). "Sempre mostrei minha bunda nos filmes, mas era de propósito. Atraía gente pra burro", orgulha-se.
E continua a contar: diz que Mazzaropi um dia ligou para convidá-lo para a festa de aniversário da mãe dele. Cardoso se arrumou todo. "Pega um táxi que eu pago", disse Mazzaropi.
Ele tomou um ônibus, saltou antes e superfaturou o reembolso. "Aquilo me valeu umas três sessões de cinema", justifica.
Não houve festa. De acordo com Cardoso, os dois conversaram um pouco, Mazzaropi colocou na vitrola "Perfume de Gardênia" ("Perfume de gardenia/ que tienes em tu boca/perfume de gardenia...") e foi ao encontro dele.
"Vamos dançar, Cardoso..."
E David: "Fui o rei do rock, mas não sei dançar bolero".
"Quem é que vai repará? Só tá nóis dois", disse o comediante.
Cardoso recorda-se de que estava "sem saída e louco para ser galã". "Iniciamos os primeiros passos. Coisa de Fellini. O Mazza bem mais baixo, com sua cabeça encostada no meu peito."
O amigo seguinte foi Agnaldo Rayol, com quem morou junto: ele, a primeira mulher (foram três "fixas") e três filhos (agora são quatro). Essas passagens do início ainda levantam suspeitas sobre sua sexualidade, mas Cardoso não liga. Acha até que ajudam a identificá-lo como "artista". "Sempre tive fascínio pelas histórias proibidas do meio artístico."
Atualmente lendo a biografia de Randolph Scott, ele conta empolgado que o ator americano foi bancado pelo multimilionário Howard Hughes e teve uma amizade suspeita com Cary Grant. Ou seja, ele, Cardoso, tem tudo a ver com Hollywood.
Só se assustou quando esteve na casa do ator Sal Mineo, nos EUA, para comprar os direitos de uma peça e viu que ele mantinha um busto em tamanho natural de James Dean na cabeceira da cama. "Achei muita obsessão. E olha que eu não vejo problema na opção sexual das pessoas. Tenho todos os discos da Bethânia, adoro."
Cardoso não mede as conseqüências do que fala. Diz que, por causa disso, perdeu oportunidades profissionais e dinheiro. Processado por uma atriz por ter afirmado publicamente que "broxara" com ela, foi obrigado a pagar indenização de R$ 200 mil.
"Tive de posar pelado para a "G Magazine" para pagar."
Ao posar, teve dificuldade em conseguir uma ereção. Foi preciso evocar lendas da adolescência. "Mentalizei a Anita Ekberg, a Sophia Loren. Prefiro as cheias."
Caminhando no sítio, ele se lamenta indo da piscina vazia para o cineminha abandonado, e dali para o barracão onde guarda cartazes, gruas, fotos, luvas de boxe, halteres e pilhas de latas de filmes.
"Você acredita que eu quis doar isso para fazerem um museu, e ninguém aqui no meu Estado se interessou?", pergunta, indignado, espantando um morcego.
Enquanto escolhe com o fotógrafo os elementos que farão parte da produção da imagem, vai tendo idéias: "Eu acho que vocês deveriam escrever uma matéria sobre ícones. Pelé, Elvis, Beatles e..." Como já é tarde para negar a intenção de se incluir, ele segue em frente. "A pornochanchada marcou muito!" (PSp)

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