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THRILLER
Adaptação de história sobre Tom Ripley é obra-prima de René Clément
"O Sol por Testemunha" revive o anti-herói do hedonismo
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Quando o assunto é Patricia
Highsmith, seu mundo de
falsários e golpistas em que nada é
o que parece ser, não se troca o
certo pelo duvidoso. A exceção
que confirma a regra é o lançamento da Versátil "O Sol por Testemunha". É certo que Tom Ripley, o célebre anti-herói da novelista americana, ainda vai inspirar
muitas versões cinematográficas
(como as recentes de Anthony
Minghella e Liliana Cavani), mas
é ainda mais certo que esta de René Clément tenda cada vez mais a
se consolidar como clássica.
Nada mal para um cineasta tantas feitas chamado de "açougueiro" pela forma grosseira com que
retalhava obras literárias em suas
adaptações para o cinema. A bem
da verdade, "O Sol por Testemunha" (1959) é um dos raros filmes
de Clément que sobreviveram ao
tempo. Talvez porque o thriller
fosse um gênero a que seu temperamento melhor se assentasse. Cineasta de carreira, nunca um autor, realizador sem alma, mas altamente profissional, ele talvez
fosse mais longe se tivesse se tornado um pintor de flores, isto é, o
diretor de um gênero só. Seja como for, a posteridade lhe fez certa
justiça: aquele que, segundo Truffaut, nunca passou de um imitador, legou como obra-prima a
história de um imitador.
Um imitador chamado Ripley,
um personagem noir (o falsário)
num cenário solar. Quando o filme começa, Ripley (Alain Delon)
já está em pleno Mediterrâneo, às
voltas com sua missão: levar um
playboy desgarrado, Philippe
(Maurice Ronet), de volta à casa
do pai. Deixando de lado o subtexto homoerótico de Highsmith
(recuperado nas versões recentes), e mais interessado na relação
de amor e ódio entre classes, Clément pinta Ripley como um jovem bajulador arrivista e inteligente, decidido a viver, sem cerimônia, do dinheiro dos outros.
Em princípio, o suspense vem
dessa sem-cerimônia: Philippe
sabe perfeitamente com quem está lidando, nunca se deixa enganar, mas é do tipo demasiado
acostumado a brincar com fogo
para decidir se livrar de Ripley. O
retrato que Clément faz aqui do
infantilismo hedonista e da gratuidade moral da juventude do
pós-guerra aproxima-se dos filmes de seus rivais da nouvelle vague lançados naquele mesmo ano
de 1959 ("Acossado", de Godard e
"Os Primos", de Chabrol).
Retrato de uma juventude que
se faz cinema. Ripley é um sujeito
que se faz cinema, projetando-se
na vida de um outro, mais glamourosa e aventureira. Daí nos
identificarmos com ele, apesar
dele mesmo. Tal como nós, espectadores de cinema, ele vive uma
vida emprestada.
O Sol por Testemunha
![](http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Direção: René Clément
Distribuidora: Versátil
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