São Paulo, domingo, 15 de janeiro de 2006

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THRILLER

Adaptação de história sobre Tom Ripley é obra-prima de René Clément

"O Sol por Testemunha" revive o anti-herói do hedonismo

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Quando o assunto é Patricia Highsmith, seu mundo de falsários e golpistas em que nada é o que parece ser, não se troca o certo pelo duvidoso. A exceção que confirma a regra é o lançamento da Versátil "O Sol por Testemunha". É certo que Tom Ripley, o célebre anti-herói da novelista americana, ainda vai inspirar muitas versões cinematográficas (como as recentes de Anthony Minghella e Liliana Cavani), mas é ainda mais certo que esta de René Clément tenda cada vez mais a se consolidar como clássica.
Nada mal para um cineasta tantas feitas chamado de "açougueiro" pela forma grosseira com que retalhava obras literárias em suas adaptações para o cinema. A bem da verdade, "O Sol por Testemunha" (1959) é um dos raros filmes de Clément que sobreviveram ao tempo. Talvez porque o thriller fosse um gênero a que seu temperamento melhor se assentasse. Cineasta de carreira, nunca um autor, realizador sem alma, mas altamente profissional, ele talvez fosse mais longe se tivesse se tornado um pintor de flores, isto é, o diretor de um gênero só. Seja como for, a posteridade lhe fez certa justiça: aquele que, segundo Truffaut, nunca passou de um imitador, legou como obra-prima a história de um imitador.
Um imitador chamado Ripley, um personagem noir (o falsário) num cenário solar. Quando o filme começa, Ripley (Alain Delon) já está em pleno Mediterrâneo, às voltas com sua missão: levar um playboy desgarrado, Philippe (Maurice Ronet), de volta à casa do pai. Deixando de lado o subtexto homoerótico de Highsmith (recuperado nas versões recentes), e mais interessado na relação de amor e ódio entre classes, Clément pinta Ripley como um jovem bajulador arrivista e inteligente, decidido a viver, sem cerimônia, do dinheiro dos outros.
Em princípio, o suspense vem dessa sem-cerimônia: Philippe sabe perfeitamente com quem está lidando, nunca se deixa enganar, mas é do tipo demasiado acostumado a brincar com fogo para decidir se livrar de Ripley. O retrato que Clément faz aqui do infantilismo hedonista e da gratuidade moral da juventude do pós-guerra aproxima-se dos filmes de seus rivais da nouvelle vague lançados naquele mesmo ano de 1959 ("Acossado", de Godard e "Os Primos", de Chabrol).
Retrato de uma juventude que se faz cinema. Ripley é um sujeito que se faz cinema, projetando-se na vida de um outro, mais glamourosa e aventureira. Daí nos identificarmos com ele, apesar dele mesmo. Tal como nós, espectadores de cinema, ele vive uma vida emprestada.


O Sol por Testemunha
    
Direção: René Clément
Distribuidora: Versátil


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