São Paulo, sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

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CINEMA

Filme desvenda músico anônimo

Diretor Lírio Ferreira cria aura de mistério em torno do inventor do baião em "O Homem que Engarrafava Nuvens"

Cineasta evita falar o nome de Humberto Teixeira com medo de que espectadores imaginem um filme "chato" sobre "artista cearense"

DA REPORTAGEM LOCAL

Lírio Ferreira, 44, falador expansivo, tem tentado deixar guardadas algumas palavras. Ele teme que, se falar em excesso, possa atrapalhar o lançamento de "O Homem que Engarrafava Nuvens". A apreensão do diretor se estende ao que falarão os jornalistas.
"Quem faz a sinopse dos filmes no jornal, hein?", pergunta para, em seguida, emendar uma explicação. "Se sair que é um filme sobre Humberto Teixeira, um compositor cearense, ninguém vai ver. O cara vai ter certeza de que é um filme chatíssimo", aposta.
Para o trailer, ele achou uma solução. Ocultou o nome do personagem. Tentou criar ar de mistério. "Fui descobrindo a figura do Humberto Teixeira enquanto fazia o filme, então quero que o espectador tenha a mesma sensação. Eu vivia no sertão, ouvia baião, conhecia o Luiz Gonzaga, mas não tinha a dimensão dessa história", diz, colocando um ponto final ao se aproximar dos detalhes.
Numa estrutura à "Memórias Póstumas de Brás Cubas", o filme começa num cemitério, com a câmera colada à atriz Denise Dumont, filha do personagem-tema. A partir da morte, os fios da memória são tecidos de maneira lúdica. "É um documentário, mas tem o frescor da ficção. Querendo ou não, o material é manipulado. E eu adoro mentir", diz o diretor que, nas ficções "Baile Perfumado" (1997) e "Árido Movie" (2004), flertou com o documental.
Se trocou tipos inventados por figuras "de verdade" foi muito mais por obra do acaso do que por opção. "Os documentários correram atrás de mim", brinca, lembrando também de "Cartola - Música para os Olhos" (2007). "Fui procurado para esses projetos. No fim, como define o Gilberto Gil, fiz filmes sobre duas "dinastias" da música brasileira", diz.
Primeiro, o samba. Agora, o baião. "Descobri que o momento em que o Cartola desapareceu de cena foi exatamente o momento em que o baião estourou", calcula. "O Brasil está nessas músicas. Se alguém criou uma identidade para o país foram esses caras: Luiz Gonzaga, Cartola, Villa-Lobos."
Entre o sertão que sua ficção tentou compreender e os acordes que os documentários tornaram palpáveis, Lírio prefere não erguer pontes. "Não gosto muito de pensar no que fiz, no quanto as coisas se ligam de um filme para outro. Prefiro andar para a frente."
À frente, está "Sangue Azul", que define como um filme sobre a impossibilidade do amor. O roteiro foi escrito em Recife, sua cidade natal, mas o projeto será feito com a produtora do diretor Beto Brant ("O Invasor"). "É um cara da minha geração, que admiro. Também queria me afastar um pouco do cinema de brodagem do Recife. Já trabalhei no Rio e queria experimentar São Paulo."
Treze anos depois da memorável estreia no longa-metragem, com "Baile Perfumado", dirigido com Paulo Caldas, Ferreira parece saber que o mundo pode até começar no Recife, mas continua para muitos lados. "Adoro andar. Sabe que acho até que deveria dar entrevista andando?"
(ANA PAULA SOUSA)



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