São Paulo, sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

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Crítica/"O Homem que Engarrafava Nuvens"

Documentário mostra vitalidade do baião

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Perto do final de "O Homem que Engarrafava Nuvens", Humberto Teixeira diz que seu sonho é o de "um único mundo, sem fronteiras e sem guerras". O maior mérito desse belo documentário é mostrar o potencial integrador da arte que Teixeira e Luiz Gonzaga criaram: belezura universal, patrimônio da humanidade inteira e não só do sertão do Brasil.
Lírio Ferreira busca as origens do baião, em imagens de época, em depoimentos iluminadores, mas não com espírito de folclorista. Seu foco é o que essa música, poesia, ainda tem de viva e fecunda. Mais do que a raiz, o que interessa é a seiva.
Por isso, o núcleo do filme é uma apoteose multicultural. Vemos o baião cantado e dançado em japonês, em espanhol (num filme italiano!), em inglês. David Byrne, sem medo do ridículo, canta "White Wing" com chapéu de cangaceiro.
A essa altura, já teremos constatado que essa música perpassa toda a cultura brasileira do século 20, da chanchada ao tropicalismo, da era do rádio ao mangue beat.
No contrafluxo desse movimento para fora, do sertão para o mundo, o filme documenta a viagem íntima da atriz Denise Dumont em busca do pai, Humberto Teixeira, com quem teve uma relação problemática.
Um momento forte é a conversa de Dumont com a mãe, a pianista Margarida Jatobá (que morreu depois das filmagens), em que esta fala sobre a separação do casal e, de quebra, ilumina o lado machista sertanejo do "doutor do baião".
O filme recusa o potencial melodramático desse desvelamento familiar, optando por um tratamento discreto. Um exemplo: Denise Dumont relata seu último encontro com o pai, na véspera da morte dele.
Em vez de a câmera "buscar" suas lágrimas, há um corte seco e entra a imagem documental, silenciosa e em preto e branco, de Teixeira montando num camelo. Poesia visual pura.
Faltou falar da montagem dinâmica, que cria coesão a partir de distintos registros e texturas, e da câmera que revela em detalhes a beleza dos instrumentos e dos indivíduos.


O HOMEM QUE ENGARRAFAVA NUVENS
Direção: Lírio Ferreira
Onde: Cine Bombril, Espaço Unibanco Augusta, Frei Caneca Unibanco Arteplex e HSBC Belas Artes
Classificação: livre
Avaliação: ótimo


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