São Paulo, Sexta-feira, 15 de Janeiro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GOSTEI
Comparar os dois filmes é um equívoco

JORGE COLI
especial para a Folha

"Psicose", de Hitchcock, é um filme sacralizado, um grande mito, em princípio intocável. Gus van Sant fez uma cópia dele. Não um "remake" da história ou do tema, mas uma minuciosa reconstrução a partir de cada plano e de cada tomada.
Ele queria até mesmo obedecer, dia por dia, ao cronograma da primeira filmagem, mas alguns imprevistos o impediram.
Gus van Sant procede como um pintor que, pela cópia, tenta inserir-se nos mistérios de uma grande obra. Pela primeira vez isso ocorre na história do cinema.
Um diretor entra na pele de um grande mestre do passado para repetir as etapas da criação, reconhecendo no seu modelo um valor clássico e absoluto. A tentativa pode, e foi vista, como um sacrilégio. Além disso, a comparação entre as duas obras parece quase irresistível.
Qualquer perito em arte sabe que, por mais perfeita, uma cópia nunca será absolutamente idêntica ao original. Ela jamais consegue se livrar da marca de seu tempo.
Esse princípio, Van Sant assume conscientemente: embora respeitando os parâmetros estritos do primeiro "Psicose", ele atualiza francamente o filme.
Primeiro, emprega cores. Depois, faz com que a história transcorra nos nossos dias, ajustando até a inflação das somas discutidas na história.
Mais ainda, introduz mudanças de comportamento. Se os filmes de Hitchcock, e particularmente "Psicose", eram uma panela de pressão de desejos sexuais contidos, hoje, o modo de tratar a sexualidade é mais livre e mais sórdido.
Norman espia Marion no banheiro por um buraco na parede que tem a forma de uma vagina. Ao mesmo tempo, ouve-se, com a clareza do som dolby, a batida ritmada de uma masturbação.
Comparar os dois filmes é uma falsa exigência e um equívoco. A segunda versão não quer igualar e muito menos pretende superar a primeira.
Mas introduz uma estranheza dentro do comportamento cinematográfico, que não está habituado às cópias desse gênero. Jogo de um prazer imenso, revelando um amor desvairado pelo cinema que a própria filha de Hitchcock, atriz no primeiro filme e consultora técnica no segundo, compreendeu perfeitamente. Esse amor justifica o sacrilégio.


Texto Anterior: Van Sant ousa menos que o original
Próximo Texto: Joyce Pascowitch
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.