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GOSTEI
Comparar os dois filmes é um equívoco
JORGE COLI
especial para a Folha
"Psicose", de Hitchcock, é um filme sacralizado, um grande mito,
em princípio intocável. Gus van
Sant fez uma cópia dele. Não um
"remake" da história ou do tema,
mas uma minuciosa reconstrução
a partir de cada plano e de cada tomada.
Ele queria até mesmo obedecer,
dia por dia, ao cronograma da primeira filmagem, mas alguns imprevistos o impediram.
Gus van Sant procede como um
pintor que, pela cópia, tenta inserir-se nos mistérios de uma grande
obra. Pela primeira vez isso ocorre
na história do cinema.
Um diretor entra na pele de um
grande mestre do passado para repetir as etapas da criação, reconhecendo no seu modelo um valor
clássico e absoluto. A tentativa pode, e foi vista, como um sacrilégio.
Além disso, a comparação entre as
duas obras parece quase irresistível.
Qualquer perito em arte sabe
que, por mais perfeita, uma cópia
nunca será absolutamente idêntica
ao original. Ela jamais consegue se
livrar da marca de seu tempo.
Esse princípio, Van Sant assume
conscientemente: embora respeitando os parâmetros estritos do
primeiro "Psicose", ele atualiza
francamente o filme.
Primeiro, emprega cores. Depois, faz com que a história transcorra nos nossos dias, ajustando
até a inflação das somas discutidas
na história.
Mais ainda, introduz mudanças
de comportamento. Se os filmes de
Hitchcock, e particularmente "Psicose", eram uma panela de pressão
de desejos sexuais contidos, hoje, o
modo de tratar a sexualidade é
mais livre e mais sórdido.
Norman espia Marion no banheiro por um buraco na parede
que tem a forma de uma vagina. Ao
mesmo tempo, ouve-se, com a clareza do som dolby, a batida ritmada de uma masturbação.
Comparar os dois filmes é uma
falsa exigência e um equívoco. A
segunda versão não quer igualar e
muito menos pretende superar a
primeira.
Mas introduz uma estranheza
dentro do comportamento cinematográfico, que não está habituado às cópias desse gênero. Jogo de
um prazer imenso, revelando um
amor desvairado pelo cinema que
a própria filha de Hitchcock, atriz
no primeiro filme e consultora técnica no segundo, compreendeu
perfeitamente. Esse amor justifica
o sacrilégio.
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