São Paulo, Sexta-feira, 15 de Janeiro de 1999
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TELEVISÃO
Matheus e Guel Arraes, mágicos

TELMO MARTINO
Colunista da Folha

Se for de seu agrado, Fernanda Montenegro pode levar para casa o seu manto azul de Compadecida. O que lhe foi pedido ela deu em dose maior e mais rica. De repente, todos se mostraram muito mais aquinhoados. Inclusive o já tão favorecido João Grilo e (por que não?) o atarantado Chicó.
Quem tem memória e o tempo necessário para exercitá-la nunca se esquecerá da chegada do "Auto da Compadecida" a um palco do Rio. De repente, todos se deram conta de que a roupa que aquele cantor-sanfoneiro usava no palco do Golden Room, lá no Copacabana Palace, era apenas uma fantasia. O tema de suas músicas ganhava, finalmente, os trajes adequados para a pobreza e, principalmente, o humor que Suassuna colocava nas artimanhas dos personagens.
João Grilo sempre foi o rei de todos, principalmente pela generosidade com que trata seus intérpretes e também pela retribuição que deles recebe. Só como homenagem, vale a pena lembrar a descoberta de uma nacionalismo na arte de representar que o Agildo Ribeiro usou ao se colocar sob sua pele. Matheus Nachtergaele (que maneira preciosa de identificar um talento que Goldoni beijaria da cabeça aos pés) é uma felicidade em todas as suas estripulias sempre engraçadas. É uma invenção toda pessoal a maneira com que sempre ludibria a morte, tratando-a com a intimidade de uma melhor amiga.
Nachtergaele e o diretor Guel Arraes são dois mágicos. A pobreza tão necessária ao assunto e que as tábuas de um palco que rangem ao peso do talento cômico ou mesmo dramático de um ator viviam uma amizade falsa. Os dois mostraram que a maciez da película é que é mais amiga com sua riqueza. Tolice. O dinheiro é amigo de todo mundo. Quantos tolos se transformaram e tanto enganaram só porque o bolso dele estava repleto. Com o talento especial que o Guel e o Matheus (ufa!) sempre exibem, personagens inevitáveis para o folclórico têm um sabor novo e luxuoso. Padre como o Rogério Cardoso e bispo como o Lima Duarte têm uma comicidade impossível de quem inaugura personagem. Há magia no toque que transforma essa gente. Assim como na mulher dadeira da Denise Fraga.
Suas caretas de sempre viraram uma novidade. Não se pode dizer o mesmo do cangaceiro do Marco Nanini nem do padeiro do Diogo Vilela. Aí o Matheus (ufa!) foi um companheiro, a comicidade todinha era de propriedade reconhecida dos ótimos dois...
Embora fosse breve a espera entre um e outro capítulo, vai ser muito melhor quando se puder avaliar o prazer na exibição corrida do filme. Como foi na peça. Ver o fôlego cômico do Matheus correndo desimpedido já é um prazer que se adivinha. Selton Mello tão ajudado e tão correto que na farsa foi sempre muito melhor como namoradinho. Prato feito e muito cheio vai ser saboreado pela borda. Que o dia não demore. Fernanda Montenegro dê uma ajuda na pressa. Compadecida que ela é.


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