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Eric Hobsbawm agora olha para seu passado
DA REPORTAGEM LOCAL
Leia abaixo os principais trechos da entrevista que o historiador Eric Hobsbawm concedeu,
por telefone, de sua casa, em Londres, onde trabalha em sua autobiografia.
(SC)
Folha - O sr. está escrevendo a
história de sua vida, pode dizer algo sobre ela?
Eric Hobsbawm - Como dizia um
grande amigo meu, Fernand
Braudel ("O Mediterrâneo"), um
historiador nunca está de folga.
Tudo o que fazemos, de uma maneira ou de outra, está ligado à atividade de fazer história. Por isso
posso dizer que esse livro não será
uma biografia apenas íntima, e
sim uma mistura disso com minha trajetória intelectual. Afinal,
as pessoas não vivem apenas a sua
vida privada.
Folha - O sr. fez livros abrangentes, que se preocuparam em trazer
um amplo painel de grandes períodos. Concorda que hoje exista uma
tendência oposta, que faz com que
pesquisadores limitem seus estudos a problemáticas e períodos de
tempo menores?
Hobsbawm - Sim. Acho que a
história feita em ambiente acadêmico tende, atualmente, a ser
mais especializada, por causa da
maneira pela qual a profissão está
estruturada. É preciso fazer pesquisa para alcançar uma determinada graduação, depois, mais
pesquisa para fazer-se doutor, e
assim por diante. O foco, então,
tem de ser específico para obedecer a esse mecanismo.
Acredito que, hoje, mesmo para
um historiador experiente, está
cada vez mais difícil propor uma
abordagem ampla de um período
muito grande. Acho que meu caso
é exceção. A maioria da história
que é escrita hoje é mais pontual,
mais especializada.
Folha - A culpa seria, então, das
regras da universidade?
Hobsbawm - Acho que as universidades têm responsabilidade.
Ao formatarem a profissão dessa
maneira, inibem análises amplas.
A história mais geral tem sido escrita agora por muitas pessoas. É
raro que só um autor o faça.
Folha - Acha que isso é positivo?
Hobsbawm - Acho que é mais
desejável que a história mais ampla seja feita de maneira individual, pois assim é mais fácil que o
público comum a leia. Por outro
lado, sem o trabalho dos especialistas é impossível para um autor
sozinho fazer um bom trabalho
que seja ao mesmo tempo abrangente e sintético, como o que eu
venho tentando fazer.
Folha - Quando você começou, a
vida acadêmica estava relacionada
à posição política das pessoas.
Acredita que isso fez com que parte
importante da produção histórica
fosse bloqueada?
Hobsbawm - Num sentido mais
amplo, não. Não existiam muitos
países que censuraram a história.
Havia aqueles ligados à então
União Soviética, onde era impossível escrever história a não ser
que se tivesse determinadas opiniões. Em outros países, no geral,
havia uma visão consensual sobre
o capitalismo, mas sempre houve
espaço para que outras visões servissem como reflexão e para que
se publicasse sobre elas.
Meus livros, mesmo durante a
Guerra Fria, foram muito bem recebidos nos EUA, nas universidades principalmente, mesmo sem
corresponder às linhas políticas
que ancoravam aquele governo.
Devo dizer que, no mesmo período, eles não eram publicados na
União Soviética.
Folha - O sr. ainda não se aborreceu com a quantidade de entrevistadores que perguntam porque você ainda é comunista?
Hobsbawm - Sempre tentei escrever história inspirado pelo
marxismo, mas o valor dessa história não depende de meus pontos de vista. As pessoas sabem que
minhas idéias são de esquerda, e,
em alguns momentos, isso fez
com que eu fosse mais popular.
Em outros momentos, menos. O
valor da minha história não está
em atender as pessoas com minhas opiniões, mas em ser uma
boa história e por isso ser aceita.
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