São Paulo, quinta-feira, 15 de fevereiro de 2001

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FESTIVAL DE BERLIM

CINEMA/CRÍTICA

"Metrópolis" parece uma história brasileira

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

A fama de "Metrópolis" deve-se em parte ao evidente vigor do filme, mas a sua popularidade pode ser creditada a uma série de elementos exteriores a ele.
O filme de Fritz Lang -que é exibido hoje no Festival de Berlim em cópia restaurada e com acompanhamento da Filarmônica de Berlim- trata de relações de trabalho. Se lhe perdoarmos o final, torna-se possível ver ali um libelo contra o esmagamento dos operários e as condições de trabalho infames. Daí, embora ter sido escrito por Thea von Harbou -então sua mulher e depois notória nazista-, "Metrópolis" ter uma posteridade animadora entre as esquerdas.
Ao mesmo tempo, "Metrópolis" é uma fantasia futurista, inspirada em parte pela visita do próprio Lang a Nova York. Ali vislumbrou seu desenho da vida futura numa megalópole que se projeta agressivamente contra um céu, onde aviões transformaram-se em aviões de passeio.
Daí talvez ter "Metrópolis" merecido uma versão musicada e colorizada nos anos 80, no apogeu da crença no futurismo cinematográfico (obras passadas deveriam ser "atualizadas" tecnicamente).
Se o aspecto futurista do filme explicava a insânia, é preciso lembrar que um de seus encantos consiste na maneira como Lang marca o ritmo, sonoramente, na imagem. Quanto mais mudo e preto-e-branco, melhor.
"Metrópolis" é mudo e P&B até a raiz dos cabelos. Filme excessivo, em tudo solicita o olhar, da decoração art-déco aos jogos de luzes violentos e à interpretação agitada. Como todo filme com influência expressionista, tem platéia certa no Brasil. Talvez isso se deva ao fato de que aqui vivemos mais ou menos em um eterno pós-Primeira Guerra, com suas crises econômicas, injustiças sociais, salvadores da pátria.
Um dos achados do filme é a duplicação de Maria, a heroína, em Maria, a vilã. Essa inconstância dos seres, que passam de bons a maus: existe uma Maria redentora e existe seu duplo perverso, criado em laboratório, disposto a semear a discórdia e o caos.
Todos somos seres ambíguos. Mas esse descambar radical, de um extremo a outro, sobretudo quando vinculado ao poder, nos é tão familiar que "Metrópolis" parece uma história brasileira.


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