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FESTIVAL DE BERLIM
CINEMA/CRÍTICA
"Metrópolis" parece uma história brasileira
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA
A fama de "Metrópolis" deve-se em parte ao evidente
vigor do filme, mas a sua popularidade pode ser creditada a uma
série de elementos exteriores a ele.
O filme de Fritz Lang -que é
exibido hoje no Festival de Berlim
em cópia restaurada e com acompanhamento da Filarmônica de
Berlim- trata de relações de trabalho. Se lhe perdoarmos o final,
torna-se possível ver ali um libelo
contra o esmagamento dos operários e as condições de trabalho
infames. Daí, embora ter sido escrito por Thea von Harbou -então sua mulher e depois notória
nazista-, "Metrópolis" ter uma
posteridade animadora entre as
esquerdas.
Ao mesmo tempo, "Metrópolis" é uma fantasia futurista, inspirada em parte pela visita do próprio Lang a Nova York. Ali vislumbrou seu desenho da vida futura numa megalópole que se
projeta agressivamente contra
um céu, onde aviões transformaram-se em aviões de passeio.
Daí talvez ter "Metrópolis" merecido uma versão musicada e colorizada nos anos 80, no apogeu
da crença no futurismo cinematográfico (obras passadas deveriam
ser "atualizadas" tecnicamente).
Se o aspecto futurista do filme
explicava a insânia, é preciso lembrar que um de seus encantos
consiste na maneira como Lang
marca o ritmo, sonoramente, na
imagem. Quanto mais mudo e
preto-e-branco, melhor.
"Metrópolis" é mudo e P&B até
a raiz dos cabelos. Filme excessivo, em tudo solicita o olhar, da decoração art-déco aos jogos de luzes violentos e à interpretação
agitada. Como todo filme com influência expressionista, tem platéia certa no Brasil. Talvez isso se
deva ao fato de que aqui vivemos
mais ou menos em um eterno
pós-Primeira Guerra, com suas
crises econômicas, injustiças sociais, salvadores da pátria.
Um dos achados do filme é a
duplicação de Maria, a heroína,
em Maria, a vilã. Essa inconstância dos seres, que passam de bons
a maus: existe uma Maria redentora e existe seu duplo perverso,
criado em laboratório, disposto a
semear a discórdia e o caos.
Todos somos seres ambíguos.
Mas esse descambar radical, de
um extremo a outro, sobretudo
quando vinculado ao poder, nos é
tão familiar que "Metrópolis" parece uma história brasileira.
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