São Paulo, quinta-feira, 15 de fevereiro de 2001

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CINEMA

Dois documentaristas paulistanos focalizam a vida na periferia e tentam analisar o papel do movimento hip hop

Capão Redondo é visto por dentro e "desabafa" sua dor


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"É da Rede Globo?"
"Não. Isso é cinema."
"Se você quiser, tem um presunto lá embaixo."
A "oferta" foi feita no cemitério São Luiz, periferia de São Paulo, ao cineasta Noel Carvalho, que dava início à captação de imagens para o documentário "Novos Quilombos de Zumbi".
Com quase 18 horas de material gravado -as entrevistas tiveram início no primeiro semestre de 2000-, Carvalho se prepara agora para editá-lo em 26 minutos, para serem exibidos na televisão.
A finalização do filme foi viabilizada por investimento de R$ 20 mil da CPC-Umes (Centro Popular de Cultura da União Municipal de Estudantes Secundaristas). A primeira fase da produção contou com apoio do Instituto de Artes da Unicamp.
"Novos Quilombos de Zumbi" pretende mapear a região do Capão Redondo sob três aspectos -o do movimento hip hop, o da produção artística de escritores e artistas plásticos moradores do local e o das iniciativas de ação social empreendidas por associações de moradores e lideranças comunitárias.
Mas o documentário quer, sobretudo, contrapor-se a outros filmes que tratam da periferia sob o prisma de que "a cultura recupera", de acordo com o cineasta.
"É uma demagogia que despolitiza. Tenho horror a essa visão culturalista típica da classe média ilustrada que vê de fora", diz Carvalho, 38, morador do Jardim São Luiz desde que nasceu.
Como exemplos de filmes dos quais discorda, Carvalho cita os documentários "O Rap do Pequeno Príncipe", de Marcelo Luna e Paulo Caldas, e "Notícias de uma Guerra Particular", de João Moreira Salles e Kátia Lund.
O cineasta cursa doutorado em sociologia na USP e diz que vêm, sim, sendo engendradas alternativas para a superação da violência na periferia, mas na forma do "diálogo da sociedade civil organizada com o poder público". Em síntese: "A periferia não é barbárie", afirma Carvalho.
A narrativa de "Novos Quilombos de Zumbi" deverá ter condução clássica, assentada na justaposição de blocos de entrevista e trilha sonora pontuada pelo rap.
"Odeio maneirismos de câmera", diz o cineasta. O responsável pela fotografia do documentário é o professor Adilson Ruiz.
Noel Carvalho integra o movimento "Dogma Feijoada", espécie de versão nacional do decálogo dinamarquês que propõe um cinema de muito conteúdo e poucos efeitos. No caso, voltado para a imagem do negro na cinematografia nacional.
É também autor, com Alessandro Gamo, de "O Catedrático do Samba", documentário sobre Germano Mathias, realizado em 1999 e que deve ser lançado em DVD até o final deste ano. Carvalho acaba de fundar, com cinco outros cineastas -Gamo, Eduardo Kishimoto, Luís Alberto, André Franciolli e Artur Autran-, a Cooperativa de Realizadores de São Paulo. "Queremos fazer filmes baratos e rápidos, de relevo social e sem dinheiro do governo", afirma.
A primeira parcela de patrocínio para a conclusão de "Novos Quilombos de Zumbi" deve ser repassada em março. A conclusão do documentário está prevista para o segundo semestre.


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