São Paulo, quinta-feira, 15 de março de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O traço moderno de Goya

Exposição no Masp reúne, a partir de domingo, 218 gravuras de séries do artista espanhol; criadas entre o final do século 18 e o começo do 19, obras anteciparam o surrealismo e o expressionismo

FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

O final do século 18 e começo do 19 representa, na história da arte, o início do rompimento com as tradições acadêmicas da pintura e o prenúncio de novas formas de abordar o fazer artístico, que desembocariam no modernismo ao questionar o realismo na representação. Entre os principais artistas dessa fase está o espanhol Francisco de Goya (1746-1828).
Artista fértil, Goya realizou cerca de 500 pinturas a óleo e 300 gravuras. Foi nesse último gênero que ele exerceu maior liberdade de expressão, pois eram obras que fazia por sua própria vontade, e não retratos encomendados por personalidades do poder, ao qual sempre esteve vinculado.
A partir de domingo, para o público, 218 dessas gravuras, que compõem as quatro séries de Goya, estarão, pela primeira vez no Brasil, expostas no Museu de Arte de São Paulo.
O Masp, que tem uma dívida de quase R$ 10 milhões, conseguiu viabilizar a mostra graças ao patrocínio do banco espanhol Caixanova, em parceria com o Instituto Cervantes. O custo não foi divulgado.
Por criar as gravuras a partir de temas que ele próprio escolhia e poder representá-las livremente, Goya produziu obras que adiantaram escolas que iriam se consolidar apenas no século 20, como o surrealismo e o expressionismo. "Veja como ele aborda o mundo dos sonhos, na série "Disparates", de maneira psicanalítica, como só os surrealistas fariam muito mais tarde", sublinha o curador do Masp, Teixeira Coelho.
Um exemplo que o curador aponta é uma gravura na qual se vê uma mulher sendo levada por um cavalo. Ao observá-la atentamente, nota-se no canto esquerdo uma figura que parece uma rocha, mas também poderia ser a cabeça de um cachorro engolindo uma mulher.
"Há uma série de simbolismos possíveis, como o cachorro representando seu pai, e o cavalo, a amante da mãe", diz Teixeira.

Outra face
As séries apontam um outro aspecto importante na obra: ele acaba sendo um cronista de seu tempo. "Nessa obras podemos ver, de forma crítica e sarcástica, o modo como os espanhóis viviam. Ele acaba sendo um chargista, pois aborda temas da política local, mas é também um cartunista, pois torna esses temas universais."
A exposição ocupa quatro salas no segundo andar, que foram alteradas, pois ali se encontra a coleção permanente do museu. Um dos motivos para a escolha é que o Masp conta com quatro pinturas do espanhol. "Creio que uma das razões pelas quais a Caixanova escolheu o Masp para expor as obras seja esse conjunto importante de pinturas de Goya", diz Coelho.
Tais pinturas destoam das gravuras, pois são retratos feitos por encomendas oficiais, menos delirantes do que as séries expostas. Segundo o curador, "é importante ressaltar que se trata de um outro critério de gravura. Naquela época, elas eram as únicas imagens que podiam circular, pois não existiam revistas ilustradas, e o interesse dele era que as pessoas, depois do jantar, observassem essas gravuras como uma forma de diversão, precisando desvendá-las".
A maioria das gravuras nem sequer é numerada ou assinada, já que a circulação, e não a validação das peças como obras de arte, era a principal preocupação de Goya.
"As pessoas precisariam vir ao menos três vezes ao Masp para se darem conta da complexidade dessas séries, senão elas terão apenas uma impressão visual e não um olhar detido", diz Coelho. Mas, por R$ 15 a entrada, isso representaria um custo um tanto alto. "Estamos estudando com a direção do museu uma forma de permitir que, após a primeira visita, as pessoas possam retornar sem pagar novamente."
Uma das formas de facilitar a tarefa do visitante é a oferta de folhetos explicativos sobre algumas obras, em bancos espalhados pela mostra. "Mas eu tenho minhas dúvidas se é função do museu explicar tudo ou permitir que cada um faça sua leitura", diz Coelho.


GOYA: AS GRAVURAS DA COLEÇÃO CAIXANOVA
Quando:
abertura, sábado, dia 17, 11h30 (para convidados); de ter. a dom.. das 11h às 18h. Até 20/5
Onde: Museu de Arte de São Paulo (av. Paulista, 1.578, SP, tel. 0/xx/11/3251-5644)
Quanto: R$ 15


Texto Anterior: Horário nobre na TV Aberta
Próximo Texto: Perto do poder, artista o retratou "sem compaixão"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.