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Amos Gitai defende utopia do cinema
Cineasta israelense afirma que, em "Aproximação", tentou colocar os espectadores em meio ao caos do Oriente Médio
Para diretor, enquanto a mídia é utilizada como máquina de guerra, o cinema pode propor uma outra leitura dos conflitos
ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL
O israelense Amos Gitai, 60,
é um cineasta infatigável. Na
produção, na forma e no tema.
Em 35 anos de carreira, produziu mais de 50 filmes, entre
curtas e longas-metragens, ficções e documentários. Em
obras como "Kadosh -Laços Sagrados" (1999) e "Free Zone"
(2005) usou seus pictóricos
planos-sequências para expor
as faces menos visíveis de um
conflito antigo, que o mundo
parece ter se habituado a não
compreender.
Pois é nas frestas da incompreensão que Gitai encaixa sua
câmera. Autor dos mais respeitados do cinema contemporâneo, ele costuma ter boa acolhida no circuito alternativo brasileiro, mas, ainda assim, seus filmes, não raro, demoram a ser
lançados. É esse o caso de
"Aproximação" que, produzido
em 2007, estreou apenas na última sexta-feira por aqui - ele
fez outros três filmes desde então. "É melhor quando o filme é
lançado logo, mas o mais importante é que chegue aí, até
porque, neste caso, infelizmente, a realidade retratada não
mudou", diz o cineasta, em entrevista exclusiva à Folha, por
telefone, de Paris.
"Aproximação", um ensaio
de cores barrocas sobre a complexidade geográfica e emocional do Oriente Médio, começa
a bordo de um trem. À janela
do vagão, um policial israelense, de família francesa (Liron
Levo) e uma palestina naturalizada holandesa (Hiam Abbas)
falam sobre fronteiras, nacionalidades e identidades enquanto fumam um cigarro e
mostram os passaportes a um
policial. Ao fim da tomada, eles
se beijam. "A vida nem sempre
permite esse tipo de relação. Já
o cinema pode, e eu acho que
deve, propor esse tipo de utopia", defende Gitai.
Outras cenas de contornos
improváveis se seguirão. Do
comportamento dúbio da personagem vivida por Juliette Binoche à ópera de Gustav Mahler entoada por Barbara Hendricks, passando pelas diferentes línguas faladas e guerras insinuadas, tudo no filme remete
à incomunicabilidade.
Seu desejo era que nós, espectadores, nos sentíssemos
parte do caos? "De alguma maneira, sim", responde. "O cinema pode propor uma outra leitura, introduzir o contraditório." O diretor observa que o
conflito na região ocupa um espaço de certo modo excessivo
na mídia. "As pessoas instrumentalizam a mídia como máquina de guerra. Tanto israelenses quanto palestinos acabaram intoxicados por essas
imagens." Gitai procura despregar de sua biografia o emblema de cineasta israelense e
o papel de porta-voz moderado. "Não tem mais muito sentido categorizar o cinema por
países e colocar os cineastas
para carregar bandeiras."
Contra o escapismo
Selecionado para os principais festivais do mundo, Gitai
consegue financiamentos também das fontes mais diversas.
Na maior parte das vezes, fora
de Israel. Questionado sobre a
recente guinada do cinema israelense em direção a filmes
mais comerciais e leves, não
disfarça a contrariedade. "Pode
até ser mais fácil conseguir financiamento, mas não acredito
nesse caminho. Não podemos
escapar do conflito, ele faz parte das nossas vidas. Não somos
obrigados a falar o tempo todo
disso, mas a questão existe."
Quando o assunto é política,
Gitai faz questão de tornar pública sua admiração pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e de creditar a ele
uma possível solução para o
histórico impasse na Faixa de
Gaza. "Acredito na integridade
de sua política internacional e
na sua capacidade de contribuir para o diálogo", diz.
Tom oposto ele adota para
falar do presidente iraniano,
Mahmoud Ahmadinejad, e de
sua insistência em negar o Holocausto. "É um escândalo,
uma provocação num nível
muito baixo. É um disseminador de conflitos."
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