São Paulo, segunda-feira, 15 de março de 2010

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Amos Gitai defende utopia do cinema

Cineasta israelense afirma que, em "Aproximação", tentou colocar os espectadores em meio ao caos do Oriente Médio

Para diretor, enquanto a mídia é utilizada como máquina de guerra, o cinema pode propor uma outra leitura dos conflitos


ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL

O israelense Amos Gitai, 60, é um cineasta infatigável. Na produção, na forma e no tema. Em 35 anos de carreira, produziu mais de 50 filmes, entre curtas e longas-metragens, ficções e documentários. Em obras como "Kadosh -Laços Sagrados" (1999) e "Free Zone" (2005) usou seus pictóricos planos-sequências para expor as faces menos visíveis de um conflito antigo, que o mundo parece ter se habituado a não compreender.
Pois é nas frestas da incompreensão que Gitai encaixa sua câmera. Autor dos mais respeitados do cinema contemporâneo, ele costuma ter boa acolhida no circuito alternativo brasileiro, mas, ainda assim, seus filmes, não raro, demoram a ser lançados. É esse o caso de "Aproximação" que, produzido em 2007, estreou apenas na última sexta-feira por aqui - ele fez outros três filmes desde então. "É melhor quando o filme é lançado logo, mas o mais importante é que chegue aí, até porque, neste caso, infelizmente, a realidade retratada não mudou", diz o cineasta, em entrevista exclusiva à Folha, por telefone, de Paris.
"Aproximação", um ensaio de cores barrocas sobre a complexidade geográfica e emocional do Oriente Médio, começa a bordo de um trem. À janela do vagão, um policial israelense, de família francesa (Liron Levo) e uma palestina naturalizada holandesa (Hiam Abbas) falam sobre fronteiras, nacionalidades e identidades enquanto fumam um cigarro e mostram os passaportes a um policial. Ao fim da tomada, eles se beijam. "A vida nem sempre permite esse tipo de relação. Já o cinema pode, e eu acho que deve, propor esse tipo de utopia", defende Gitai.
Outras cenas de contornos improváveis se seguirão. Do comportamento dúbio da personagem vivida por Juliette Binoche à ópera de Gustav Mahler entoada por Barbara Hendricks, passando pelas diferentes línguas faladas e guerras insinuadas, tudo no filme remete à incomunicabilidade.
Seu desejo era que nós, espectadores, nos sentíssemos parte do caos? "De alguma maneira, sim", responde. "O cinema pode propor uma outra leitura, introduzir o contraditório." O diretor observa que o conflito na região ocupa um espaço de certo modo excessivo na mídia. "As pessoas instrumentalizam a mídia como máquina de guerra. Tanto israelenses quanto palestinos acabaram intoxicados por essas imagens." Gitai procura despregar de sua biografia o emblema de cineasta israelense e o papel de porta-voz moderado. "Não tem mais muito sentido categorizar o cinema por países e colocar os cineastas para carregar bandeiras."

Contra o escapismo
Selecionado para os principais festivais do mundo, Gitai consegue financiamentos também das fontes mais diversas. Na maior parte das vezes, fora de Israel. Questionado sobre a recente guinada do cinema israelense em direção a filmes mais comerciais e leves, não disfarça a contrariedade. "Pode até ser mais fácil conseguir financiamento, mas não acredito nesse caminho. Não podemos escapar do conflito, ele faz parte das nossas vidas. Não somos obrigados a falar o tempo todo disso, mas a questão existe."
Quando o assunto é política, Gitai faz questão de tornar pública sua admiração pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e de creditar a ele uma possível solução para o histórico impasse na Faixa de Gaza. "Acredito na integridade de sua política internacional e na sua capacidade de contribuir para o diálogo", diz.
Tom oposto ele adota para falar do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, e de sua insistência em negar o Holocausto. "É um escândalo, uma provocação num nível muito baixo. É um disseminador de conflitos."


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