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MÚSICA ERUDITA
Todo espírito louve ao senhor Stravinski
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Cena de sonho: uma orquestra no palco, mas sem violinos. No lugar do spalla, o primeiro flautista, o primeiro de cinco.
Também não há violas; em compensação, são quatro oboés e dois
pianos, mais harpa e tímpanos.
Começa a música. Encantatória,
não parece de tempo nem lugar
nenhum, em que pesem os acentos modernistas. Grande coro ao
fundo: "Exaudi" (Ouve). Só Stravinski (1882-1971) sonhava assim,
como a Osesp ensinou mais uma
vez, interpretando a "Sinfonia dos
Salmos", sábado passado.
Certos concertos vão ficando
melhores com o passar do tempo.
A memória vai recuperando detalhes e faz reviver tudo depois.
Exemplo: o solo de oboé (Arcádio
Minczuk), dando início à polifonia de sopros, "esperando com
paciência" a entrada do coro e a
"inclinação do Senhor".
Outro: as quartas dos tímpanos
no final, inabaláveis como as verdades do salmodista. E o "Aleluia", em que a música russa se
confunde com seduções parisienses de 1930, como se fosse natural.
Mais que natural: inevitável. A
sinfonia guarda mesmo um senso
de inevitabilidade, como se tudo o
que é aberratório (uma sinfonia
sem violinos, numa peça para os
50 anos da Sinfônica de Boston!)
estivesse, de antemão, justificado.
Stravinski ali parece mais uma
força da natureza do que um
compositor. Que ele ponha em jogo uma enciclopédia de estilos só
ressalta o caráter de sua personalidade, que corta toda camada de
música, texto, história.
E a Osesp? Estabilizou-se num
patamar alto. Nem sempre dá o
pulo do gato; parece, às vezes,
descansar um pouco nas excelências. No sábado tocou um grande
Stravinski, como o coro cantou
um Stravinski grandioso. Mérito
dobrado de Roberto Minczuk, regendo cada vez melhor: mais direto e claro (nos gestos), mais
imaginativo (nos resultados).
O Stravinski já bastava. Mas a
Osesp tocou um Mozart impressionante, a "Grande Missa KV
427". Cantores (Lamosa, D'Oliveira, Portari, Marcos) pendendo
para os céus de Verdi, com bons
momentos e outros menos bons.
Mas a orquestra atacou a "Missa"
com uma gana de música para arrefecer toda nostalgia do "Réquiem". E as cordas deixam a
gente reduzido à hipérbole.
Últimas lembranças: o contrafagote no "Salmo 150". Os sopros
em movimento paralelo, no
"Exaudi". As dissonâncias dos
metais no fim. Omnis spiritus laudet Stravinskium. Em junho tem
a "A Sagração da Primavera".
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