São Paulo, terça-feira, 15 de maio de 2001

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MÚSICA ERUDITA

Todo espírito louve ao senhor Stravinski

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Cena de sonho: uma orquestra no palco, mas sem violinos. No lugar do spalla, o primeiro flautista, o primeiro de cinco. Também não há violas; em compensação, são quatro oboés e dois pianos, mais harpa e tímpanos.
Começa a música. Encantatória, não parece de tempo nem lugar nenhum, em que pesem os acentos modernistas. Grande coro ao fundo: "Exaudi" (Ouve). Só Stravinski (1882-1971) sonhava assim, como a Osesp ensinou mais uma vez, interpretando a "Sinfonia dos Salmos", sábado passado.
Certos concertos vão ficando melhores com o passar do tempo. A memória vai recuperando detalhes e faz reviver tudo depois. Exemplo: o solo de oboé (Arcádio Minczuk), dando início à polifonia de sopros, "esperando com paciência" a entrada do coro e a "inclinação do Senhor".
Outro: as quartas dos tímpanos no final, inabaláveis como as verdades do salmodista. E o "Aleluia", em que a música russa se confunde com seduções parisienses de 1930, como se fosse natural.
Mais que natural: inevitável. A sinfonia guarda mesmo um senso de inevitabilidade, como se tudo o que é aberratório (uma sinfonia sem violinos, numa peça para os 50 anos da Sinfônica de Boston!) estivesse, de antemão, justificado.
Stravinski ali parece mais uma força da natureza do que um compositor. Que ele ponha em jogo uma enciclopédia de estilos só ressalta o caráter de sua personalidade, que corta toda camada de música, texto, história.
E a Osesp? Estabilizou-se num patamar alto. Nem sempre dá o pulo do gato; parece, às vezes, descansar um pouco nas excelências. No sábado tocou um grande Stravinski, como o coro cantou um Stravinski grandioso. Mérito dobrado de Roberto Minczuk, regendo cada vez melhor: mais direto e claro (nos gestos), mais imaginativo (nos resultados).
O Stravinski já bastava. Mas a Osesp tocou um Mozart impressionante, a "Grande Missa KV 427". Cantores (Lamosa, D'Oliveira, Portari, Marcos) pendendo para os céus de Verdi, com bons momentos e outros menos bons. Mas a orquestra atacou a "Missa" com uma gana de música para arrefecer toda nostalgia do "Réquiem". E as cordas deixam a gente reduzido à hipérbole.
Últimas lembranças: o contrafagote no "Salmo 150". Os sopros em movimento paralelo, no "Exaudi". As dissonâncias dos metais no fim. Omnis spiritus laudet Stravinskium. Em junho tem a "A Sagração da Primavera".


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