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FESTIVAL DE CANNES
Novo longa dos cineastas, "The Man Who Wasn't There", foi exibido em competição anteontem
Irmãos Coen chegam em preto-e-branco
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A CANNES
Em 1994, os irmãos Joel e Ethan
Coen estavam na Carolina do
Norte para filmar "Na Roda da
Fortuna", fábula dos anos 50 com
Tim Robbins e Paul Newman.
Durante uma cena que se passava
numa barbearia, a dupla ficou intrigada com um pôster na parede.
O quadro mostrava meia dúzia de
cabeças com vários estilos de corte de cabelo dos anos 40.
Um olhou para o outro, que
olhou para o um. Ambos fazem
tudo juntos em seus filmes. Joel, o
de cabelo comprido e cavanhaque, casado com a atriz Frances
McDormand, cuida mais da direção e da edição.
Ethan, o de barba rala e pouco
peso, dedica-se aos roteiros e à
produção.
São de completar a frase do outro e se entender pelo olhar. Ao
olhar o pôster, ambos sabiam que
um filme poderia sair dali. Aconteceu sete anos depois. É "The
Man Who Wasn't There" (O Homem que Não Estava Lá), que a
dupla exibiu anteontem no Festival de Cinema de Cannes, como
parte da competição oficial.
Preto-e-branco
O filme dura cem minutos, foi
rodado num preto-e-branco magistral, é o melhor do evento até
agora e o mais bem-feito dos irmãos desde "Fargo" (1996).
Aliás, empresta deste o tema do
marido pulha que envolve a mulher num plano aparentemente
perfeito para ganhar dinheiro,
plano que sairá do controle e desencadeará uma série de crimes.
Tem elementos ainda da obra
de estréia dos Coen, "Gosto de
Sangue" (1984).
Novamente a mulher traidora
(novamente interpretada por
Frances McDormand) é o pivô da
trama.
Também como "Gosto de Sangue", é um filme noir, baseado vagamente no conjunto da obra do
escritor James M. Cain (1892-1977), aquele de "Pacto de Sangue" e "O Destino Bate à Sua Porta", que já rendeu filmes de gente
grande como Billy Wilder, Michael Curtiz e Bob Rafelson.
"Off"
É narrado em "off" pelo personagem principal, o barbeiro Ed
Crane, interpretado à perfeição
por Billy Bob Thornton, que aliás
está a cara de Montgomery Clift.
Calado e sem ambições, Ed trabalha na barbearia do irmão de
sua mulher, Doris (Frances
McDormand, também ótima),
em Santa Rosa, na Califórnia, em
1949.
Não tem relações sexuais com
ela há anos, mas não reclama. Sabe que Doris está tendo um caso
com o chefe, Big Dave (James Galdolfini, o Tony Soprano), por sua
vez casado com a herdeira de uma
loja de departamentos. Também
não liga. Fuma o tempo todo e observa a vida passar.
Até que entra na barbearia um
velho conhecido dos Coen, o ator
Jon Polito, em seu quinto filme
com os irmãos. Ele é Creighton
Tolliver, um picareta que quer
montar uma rede de lavagem a seco. Para tanto, precisa de um sócio com US$ 10 mil.
Ed faz as contas. Se chantagear
Big John, consegue o dinheiro e
de quebra se vinga da mulher, que
afinal de contas o está traindo, ligue ele para isso ou não.
É aí que começa a confusão e
acontecem mais reviravoltas na
trama do que eu poderia contar
aqui.
Basta dizer que é natural que
um advogado citando o princípio
da incerteza de Werner Heisenberg (que ele chama de "aquele
alemão, Fritz, sei lá") e uma mulher que viu um disco voador apareçam na mesma sequência.
No final, o cabelo, seu crescimento e o corte cotidiano servem
como metáfora para a vida de Ed.
Que é o homem que não estava lá,
do título.
Não estar lá tanto pode ser o fato de ele estar vivendo a vida de
um outro, uma vez que não se envolve nem liga a mínima para o
que acontece em volta, quanto o
fato de ele estar contando toda a
história em "off" para um artigo
de uma revista.
Se o júri do festival, presidido
pela atriz Liv Ullmann, for competente o suficiente, você vai voltar a ler aqui sobre os irmãos
Coen nos próximos dias.
Palma de Ouro
Há poucas carreiras mais consistentes no cinema americano
hoje em dia do que a da dupla de
judeus de Minnesota. São nove
longas em duas décadas, entre
eles obras fundamentais como
"Ajuste Final" (1990), "Barton
Fink" (1991).
Nesse período, concorreram
três vezes no Festival de Cannes,
levando três prêmios, entre eles a
Palma de Ouro de 1991.
Além disso, foram indicados a
três Oscar (ganharam por roteiro
em 1997) e premiados em Sundance em 1985, onde tudo começou.
Agora, devem rodar "To the
White Sea and Back", a história de
um aviador americano (Brad Pitt)
que é derrubado no Japão durante a Segunda Guerra e sobrevive.
Ambos também trabalham no roteiro de "Intolerable Cruelty", a
ser dirigido em 2002 pelo colega
Jonathan Demme ("O Silêncio
dos Inocentes").
Ah, sim: de novo, a edição de
"The Man Who Wasn't There" é
assinada por Roderick Jaynes, importante profissional do cinema.
Na verdade, é um nome que os
dois inventaram para não parecer
um exagero de vaidade um filme
escrito, dirigido, produzido e editado pelos dois...
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