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Monólogos de um casal de amigos separado pela morte compõem "Fazes-me Falta", de Inês Pedrosa
Romance se alça entre o céu e a terra
FRANCESCA ANGIOLILLO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Há ao menos dois motivos para saudar a publicação de um primeiro livro
da portuguesa Inês Pedrosa, 40, no Brasil.
Espécie de menina-dos-olhos
da editora Dom Quixote -braço
lusitano do gigante espanhol Planeta, que publicou seus três romances-, ela viu as vendas do mais recente, "Fazes-me Falta",
ultrapassarem os 50 mil exemplares.
Só isso já seria razão de sobra
para a Planeta brasileira ter o título na inauguração de seu catálogo
e trazer a autora à Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro,
que começa hoje e recebe os autógrafos de Pedrosa no sábado.
Além disso, no entanto, e mais
que tudo, é preciso dizer que "Fazes-me Falta" vendeu tanto porque é boa literatura, tocando não só público como também a crítica
e contrariando a pecha que tantas vezes vem embutida na noção de
best-seller.
Trata-se de um romance sensível que fala, pela intercalação de
duas vozes -uma feminina, outra masculina; ela morta, ele vivo,
ambos sofrendo com a separação
inesperada-, dessa modulação
da paixão que é a amizade, como
gosta de dizer sua autora.
São 50 monólogos para cada lado, nos quais paira, entre os dois
personagens, a tristeza pelo não-dito, o anseio por anular um afastamento em vida com umas últimas palavras -um "obrigado"
que ficou preso na garganta, a
confissão de um desejo tardio.
Pedrosa, que antes de firmar-se
na literatura era reconhecida em
Portugal como jornalista, demonstra um
trato das palavras tão cuidadoso
como invulgar, compondo imagens fortes e imprevisíveis que
prendem o leitor à ligeira ação do
livro -uma trama, afinal, feita
quase toda de memória.
Tal respeito pela matéria-prima
do ofício permite colocá-la na
mesma linhagem que parte da inglesa Virginia Woolf (1882-1941) e
chega, por exemplo, à brasileira
Clarice Lispector (1926-1977).
"Fazes-me Falta" começou a
nascer em 1999. Um momento
que em si era já delicado -ela
acabara de dar à luz sua filha- foi
intensificado por uma série de
perdas, a começar pela morte do
seu pai, à qual se seguiram outras,
também de pessoas próximas.
Pedrosa vê na literatura uma
forma de vencer a morte, inclusive a própria: "Um livro sempre
nos sobrevive, a encadernação
dura muito mais do que nós".
Diante disso, escreveu.
O tamanho da carga emocional
que suscitou o romance acabou
rendendo à escritora uma experiência inédita. Até "Fazes-me
Falta" -um bocado por ter trilhado o viés da crítica literária, outro bocado por conhecer quão ferinos podem ser seus colegas-
Pedrosa sentara-se para escrever
ficção sempre assombrada pelo
fantasma da autocensura. Mas
não cabia, então, tolher-se: tratava-se de expiar o sofrimento.
Se, ao contrário da crítica, ela
tem dúvidas quanto à supremacia
de "Fazes-me Falta" sobre os outros ("Os livros são como filhos,
acaba-se por querer dizer "Olha, o
outro também fez o que pôde'"), a
autora admite para o romance
um rótulo: "É o mais autêntico".
E não esconde a satisfação que é
se ver recompensada por tal autenticidade. Autocrítica retomada, achara, primeiro, que o livro
tinha lhe saído "barroco" e "lírico" -o que, para ela, se traduzia
por inevitável fracasso.
Ao que se deveria, então, a resposta contrária e inesperada a tal
arroubo? "A morte é um tema
ecumênico; leitores de todas as
idades já tiveram alguma vez a experiência da perda", arrisca.
Pensa, ainda, que o ímpeto das
vendas se deve à sua presença semanal no "Expresso", um dos
principais jornais portugueses
-em coluna que estreara em janeiro de 2002, três meses antes do
lançamento de "Fazes-me Falta".
O sucesso do romance puxou os
outros dois títulos, que ganharam
novas tiragens, e tornou Inês Pedrosa figura cada vez mais frequente em debates no seu país. A
escritora integra um programa de
popularização da leitura, promovido pelo Instituto Português do
Livro e das Bibliotecas.
Ironicamente, o Instituto
-mesmo órgão governamental
que lhe dera uma bolsa para escrever "Fazes-me Falta"- agora
"atrapalha" o processo de um
quarto título, roubando-lhe tempo de escritura. Apesar de se dizer
gratificada pelos encontros com o
público ("pessoas que muitas vezes não têm um livro em casa"), a
romancista afirma, rindo, que eles
têm se dado "mais vezes do que
seria útil à profissão literária".
Os outros "percalços" na rota da
romancista, fundados na sua origem jornalística (além da coluna,
um programa de rádio), por outro lado aliviam as preocupações
financeiras e permitem que Pedrosa entre mais tranquila nas
vestes de escritora -ainda que
não dê "para levar uma vida de
princesa". "Se bem que vida de
princesa, para mim, é poder escrever", conclui.
FAZES-ME FALTA. De Inês Pedrosa.
Editora: Planeta (tel.: 0/xx/11/5543-7899). 238 págs., R$ 35. Lançamento:
sábado, 17, às 18h, no estande 344,
Pavilhão 4 (Verde) da Bienal.
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