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São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 2003

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Monólogos de um casal de amigos separado pela morte compõem "Fazes-me Falta", de Inês Pedrosa

Romance se alça entre o céu e a terra

FRANCESCA ANGIOLILLO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Há ao menos dois motivos para saudar a publicação de um primeiro livro da portuguesa Inês Pedrosa, 40, no Brasil.
Espécie de menina-dos-olhos da editora Dom Quixote -braço lusitano do gigante espanhol Planeta, que publicou seus três romances-, ela viu as vendas do mais recente, "Fazes-me Falta", ultrapassarem os 50 mil exemplares.
Só isso já seria razão de sobra para a Planeta brasileira ter o título na inauguração de seu catálogo e trazer a autora à Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, que começa hoje e recebe os autógrafos de Pedrosa no sábado.
Além disso, no entanto, e mais que tudo, é preciso dizer que "Fazes-me Falta" vendeu tanto porque é boa literatura, tocando não só público como também a crítica e contrariando a pecha que tantas vezes vem embutida na noção de best-seller.
Trata-se de um romance sensível que fala, pela intercalação de duas vozes -uma feminina, outra masculina; ela morta, ele vivo, ambos sofrendo com a separação inesperada-, dessa modulação da paixão que é a amizade, como gosta de dizer sua autora.
São 50 monólogos para cada lado, nos quais paira, entre os dois personagens, a tristeza pelo não-dito, o anseio por anular um afastamento em vida com umas últimas palavras -um "obrigado" que ficou preso na garganta, a confissão de um desejo tardio.
Pedrosa, que antes de firmar-se na literatura era reconhecida em Portugal como jornalista, demonstra um trato das palavras tão cuidadoso como invulgar, compondo imagens fortes e imprevisíveis que prendem o leitor à ligeira ação do livro -uma trama, afinal, feita quase toda de memória.
Tal respeito pela matéria-prima do ofício permite colocá-la na mesma linhagem que parte da inglesa Virginia Woolf (1882-1941) e chega, por exemplo, à brasileira Clarice Lispector (1926-1977).
"Fazes-me Falta" começou a nascer em 1999. Um momento que em si era já delicado -ela acabara de dar à luz sua filha- foi intensificado por uma série de perdas, a começar pela morte do seu pai, à qual se seguiram outras, também de pessoas próximas.
Pedrosa vê na literatura uma forma de vencer a morte, inclusive a própria: "Um livro sempre nos sobrevive, a encadernação dura muito mais do que nós". Diante disso, escreveu.
O tamanho da carga emocional que suscitou o romance acabou rendendo à escritora uma experiência inédita. Até "Fazes-me Falta" -um bocado por ter trilhado o viés da crítica literária, outro bocado por conhecer quão ferinos podem ser seus colegas- Pedrosa sentara-se para escrever ficção sempre assombrada pelo fantasma da autocensura. Mas não cabia, então, tolher-se: tratava-se de expiar o sofrimento.
Se, ao contrário da crítica, ela tem dúvidas quanto à supremacia de "Fazes-me Falta" sobre os outros ("Os livros são como filhos, acaba-se por querer dizer "Olha, o outro também fez o que pôde'"), a autora admite para o romance um rótulo: "É o mais autêntico".
E não esconde a satisfação que é se ver recompensada por tal autenticidade. Autocrítica retomada, achara, primeiro, que o livro tinha lhe saído "barroco" e "lírico" -o que, para ela, se traduzia por inevitável fracasso.
Ao que se deveria, então, a resposta contrária e inesperada a tal arroubo? "A morte é um tema ecumênico; leitores de todas as idades já tiveram alguma vez a experiência da perda", arrisca.
Pensa, ainda, que o ímpeto das vendas se deve à sua presença semanal no "Expresso", um dos principais jornais portugueses -em coluna que estreara em janeiro de 2002, três meses antes do lançamento de "Fazes-me Falta".
O sucesso do romance puxou os outros dois títulos, que ganharam novas tiragens, e tornou Inês Pedrosa figura cada vez mais frequente em debates no seu país. A escritora integra um programa de popularização da leitura, promovido pelo Instituto Português do Livro e das Bibliotecas.
Ironicamente, o Instituto -mesmo órgão governamental que lhe dera uma bolsa para escrever "Fazes-me Falta"- agora "atrapalha" o processo de um quarto título, roubando-lhe tempo de escritura. Apesar de se dizer gratificada pelos encontros com o público ("pessoas que muitas vezes não têm um livro em casa"), a romancista afirma, rindo, que eles têm se dado "mais vezes do que seria útil à profissão literária".
Os outros "percalços" na rota da romancista, fundados na sua origem jornalística (além da coluna, um programa de rádio), por outro lado aliviam as preocupações financeiras e permitem que Pedrosa entre mais tranquila nas vestes de escritora -ainda que não dê "para levar uma vida de princesa". "Se bem que vida de princesa, para mim, é poder escrever", conclui.


FAZES-ME FALTA. De Inês Pedrosa. Editora: Planeta (tel.: 0/xx/11/5543-7899). 238 págs., R$ 35. Lançamento: sábado, 17, às 18h, no estande 344, Pavilhão 4 (Verde) da Bienal.


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