DA REPORTAGEM LOCAL

Apesar de voltadas oficialmente para direção, as aulas de Antônio Araújo no Departamento de Artes Cênicas da USP são das mais concorridas. Os estudantes identificam-se com o processo colaborativo do diretor do grupo Teatro da Vertigem, daí a conjunção de futuros atores, diretores e dramaturgos.
"Retornarse", da cia. Auto-Retrato, que estréia hoje na Casa nº 1, na região central de São Paulo, é mais um fruto desse processo. A exemplo do que ocorreu com "Hysteria" (2001), do grupo XIX de Teatro, o espetáculo nasce na sala de aula e tenta desdobrar-se além-campus.
O próprio Araújo convidou a Auto-Retrato para sua primeira incursão fora das paredes da universidade, justamente no espaço que o Teatro da Vertigem ocupa por conta do Programa Municipal de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo.
Maurício Veloso, 28, o diretor, vai se formar neste ano. Caetano Gotardo, 21, estudante de cinema que também conclui a faculdade neste ano, assina a dramaturgia. Em cena, meia dúzia de atrizes, algumas delas formadas.
"Retornarse" é o terceiro espetáculo da companhia, surgida em 2000 para pesquisar dramaturgia e movimento. Os primeiros experimentos, o espetáculo "O Silêncio dos Mortos", a partir de conto do alemão Heiner Müller, e um processo de pesquisa sobre o pintor espanhol Pablo Picasso, já demarcavam esse caminho.

Pessoalidade
Em "Retornarse", a Auto-Retrato radicaliza o seu próprio nome ao tomar o depoimento pessoal das atrizes como eixo.
"O depoimento gera a si mesmo, desconectado de idéias, de personagens, de máscaras", afirma Veloso. "É um descobrir-se para voltar depois e se expor."
Tanta subjetividade no discurso também casa com a poesia introspectiva do texto de Gotardo, concebido a partir dos ensaios.
"A afinidade veio pelo tema da memória e pela chance de não trabalhar em cima do personagem, mas da pessoalidade", diz.
Outro aspecto ressaltado por Veloso é corresponder à multiplicidade do olhar do espectador. Há momentos em que acontecem cenas simultaneamente em pontos distintos do espaço cênico, oferecendo novos ângulos e recortes para a história.
A companhia pesquisa em paralelo a criação de uma peça sobre o desejo e a impossibilidade de voar. (VALMIR SANTOS)