São Paulo, domingo, 15 de maio de 2005

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CRÍTICA

Falabella e Talma operam milagre às sete

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Enquanto "América" afunda num mar de cenas patéticas, na novela das sete tudo vai bem: Miguel Falabella e Roberto Talma estão conseguindo um pequeno milagre com "A Lua Me Disse". Vez por outra, uma novela consegue criar e ainda cair no gosto do público. Sem fazer concessões estrambóticas, sem humilhar a inteligência do público, a novela vem mantendo índices de audiência em torno dos 34 pontos, o que é considerado bom para o horário.
Esse feito de "A Lua Me Disse" evoca, claro, a fase de ouro de Silvio de Abreu no mesmo horário, com "Guerra dos Sexos" e "Sassaricando". Com ingredientes parecidos aos usados por Falabella, Abreu marcou época com novelas de humor ao mesmo tempo inteligente e escrachado, tramas movimentadas, personagens memoráveis (semanas atrás, na festa da Globo, escondida entre uma série de obviedades, uma das imagens mais divertidas era a de Fernanda Montenegro e Paulo Autran numa cena de pastelão em "Guerra dos Sexos").
Não é só na receita que Falabella e sua co-roteirista Maria Carmem Barbosa se aproximam de Abreu em "A Lua Me Disse". Há também uma espécie de identidade de procedimentos, ou seja, a manipulação consciente das convenções do gênero, que ora são respeitadas e aparecem em sua forma mais eficiente; ora são anarquizadas. O espectador, ao mesmo tempo em que pode usufruir do prazer do previsível, é também surpreendido e até afrontado. Claro que tudo no âmbito modesto do entretenimento televisivo, mas, ainda assim, bem mais do que se espera das novelas atuais, conferindo à obra um ar quase "autoral".
Em "A Lua Me Disse", essa autoria, ainda que seja quase uma impropriedade pensar nesse termo em relação à novela, passa por um equilíbrio muito delicado entre o humor e o escracho -há graça, há piada e há um sentido do dramático como há tempos não se via em novelas. Mais do que tudo, até agora a novela tem conseguido manter uma notável consistência narrativa -os personagens movem-se de acordo com um roteiro bem definido na cabeça dos autores, há sentido de passagem de tempo, continuidade etc. Em uma palavra, só a preocupação e o respeito pela dramaturgia exibidos em "A Lua Me Disse" fariam desta a melhor novela no ar nos últimos tempos.
Mas há mais. O elenco parece bem à vontade para trabalhar nesse diapasão entre a comédia e o dramalhão. Assim, Débora Bloch e Aracy Balabanian fazem uma ótima dupla de peruas-parasitas; Arlete Salles como a suburbana bem-sucedida também funciona, Wagner Moura e Marcos Pasquim de galãs de araque são interessantes; e a própria Adriana Esteves tem conseguido fazer de sua "neutralidade" uma espécie de virtude.
Resta torcer para que Falabella & equipe mantenham a coragem de nadar contra a corrente da deterioração da dramaturgia, caso a audiência oscile.

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