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Retrato de cientistas é estereotipado
RAFAEL GARCIA
DA REPORTAGEM LOCAL
É perdoável que Ron Howard
manipule leis da física para remendar a narrativa de "Anjos e
Demônios". Por conta disso,
porém, talvez o filme receba o
selo genérico de "ficção científica". Um dos artifícios da história é a tal bomba de antimatéria -uma matéria de cargas invertidas, com elétrons positivos e núcleos dos átomos negativos. Matéria e antimatéria
juntas causam explosões violentas, e isso, é claro, atrai o interesse de vilões em filmes.
Essa aplicação bélica, porém,
está longe da realidade, e a antimatéria hoje só é usada para
pesquisa básica. "A ciência é
sempre vista como produtora
de bombas nessas grandes produções", diz a física Maria Cristina Abdalla, do Instituto de Física Teórica da Unesp. A pedido
da Folha, ela assistiu a "Anjos e
Demônios" para comentar o
roteiro. Segundo ela, entrar escondido no maior laboratório
do mundo para roubar um punhado de antimatéria e guardá-la em um frasco colorido é impossível sob diversos aspectos.
O filme pode até ajudar a
despertar o interesse do público por ciência, mas Abdalla critica o modo "estereotipado"
como a história retrata os cientistas. "A ciência é produto de
uma coletividade, mas no filme
uma dupla de cientistas aparece fazendo tudo sozinha. As
coisas não são bem assim", afirma. "Não sei se o pessoal vai começar a se interessar por física
por causa do filme."
No enredo, especula-se que a
descoberta do bóson de Higgs
(partícula que dá massa às outras e torna possível a matéria)
seja uma prova científica da
existência de Deus. Filosoficamente, isso não faz sentido,
mas esse golpe de marketing
não é de Dan Brown, e sim do
físico Leon Lederman, que
apelidou o bóson de "partícula
de Deus". "Físicos são assim
mesmo", diz Abdalla. "Eles têm
uma certa ironia."
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