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Filme narra o sonho americano sob a perspectiva de um pênis
LÚCIO RIBEIRO
Editor-adjunto da Ilustrada
Quando surgem os primeiros letreiros de "Boogie Nights", e o
delicioso hino da disco music
"Best of My Love" nos embala
em direção a um dos melhores filmes sobre os anos 70 desde os
anos 70, uma questão inicial vem à
cabeça.
Será que o apêndice brasileiro ao
título original, "Prazer sem Limites", desta obra sobre as aventuras de um rapaz com um pênis de
35 cm foi uma tirada genial ou saiu
da cabeça de algum desavisado? A
segunda opção é favorita.
De qualquer modo, "Boogie
Nights", mesmo envolto pelo véu
pornográfico, é um filme sobre a
inocência.
O jovem diretor Paul Thomas
Anderson, 26, uma das revelações
do cinema independente americano, esmiuça o pornô como gênero, filosofia, negócio, metáfora
cultural e forma de arte. E tira de
tudo isso uma fábula sobre o sonho americano.
O ano é 1977. O local, a Califórnia. A discothèque, a trilha. A cocaína, o meio. O filme pornô, a
mensagem. E o astro bem-dotado
John Holmes é a referência.
"Boogie Nights" conta a história da ascensão e queda da carreira
do ator pornô Dirk Diggler, interpretado por Mark Wahlberg (o
ex-rapper Marky Mark, que já foi
do New Kids on the Block).
Diggler virou o nome artístico de
Eddie, um jovem garçom, pessoa
simples, maltratado pela família,
que não suporta o lugar onde vive,
mas que deposita em uma máxima
sua fé para continuar seguindo:
"Todos são abençoados com algum dom em especial".
No caso de Eddie, o dom era traduzido em forma de um pênis descomunal, que leva o rapaz a encontrar sua grande oportunidade
(ah, a América...) quando:
* é descoberto por um diretor
com gestos paternais (Burt Reynolds), uma espécie de David Cardoso da Califórnia pelo clima
"Sala Especial" que impinge a
suas obras pornô baratas.
* passa a contracenar com a diva
pornô de então, Amber Waves
(Julianne Moore), que, quando
não está em "ação" com o avantajado Eddie, o trata como filho e
até o chama de tal.
* ganha até uma "irmãzinha", a
Rollergirl (a bela da vez Heather
Graham), garota que não tira os
patins nem na hora do sexo.
No seio da nova "família", Eddie/Dirkie Diggler prospera (ah, a
América...), mas logo chega ao declínio (oh, a América...), assim como o filme pornô para os cinemas,
assim como a disco music.
Os anos 70 foram a época da
busca do perfeccionismo pessoal,
da "cura" pessoal, do "express
yourself". O "clássico" "Os Embalos de Sábado à Noite" mostra
isso: uma pessoa comum rala em
subemprego durante o dia, vai para casa depois do expediente, toma um banho, bota uma roupa e,
de repente, à noite se transforma
em estrela de uma cena.
"Boogie Nights" apresenta a
indústria pornô como a última expressão desses pensamentos,
quando o ideário da época chegava a seu limite.
E, quando o diretor Paul Thomas Anderson resolve jogar duro
para mostrar esse declínio, o filme
decola. E, da "Sala Especial" brasileira, é conduzido a uma coqueteleira que evoca a formação de cinema de Anderson, do sentimentalismo de Coppola/Scorsese ao
pastelão cult de Tarantino.
"Boogie Nights" é um dos
grandes filmes do ano, desde já. É
no mínimo divertido ver como o
sonho americano pode ser contado sob a perspectiva de um pênis.
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