São Paulo, Sábado, 15 de Maio de 1999
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Estilo Sokourov é puramente visual

especial para a Folha

Merecedor de uma retrospectiva no Festival de Berlim de 1989, após um longo período censurado pelas autoridades russas, Alexandre Sokourov tornou-se mais conhecido na Europa apenas no ano passado, após as exibições, em Paris, de "Mãe e Filhos" (1997) e "Páginas Escondidas" (1993).
Desde então, a crítica francesa tem tratado o diretor como um revolucionário da linguagem fílmica. No Brasil, Laymert Garcia dos Santos, professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), e Boris Schnaiderman, professor de russo e teoria literária da Universidade de São Paulo, falaram à Folha sobre o autor de "Moloch". (AM) Laymert Garcia dos Santos - "Para mim, a revelação do cineasta foi com seu documentário "Elegia Soviética" (1989), absolutamente fantástico porque apresentava os governantes russos num discurso político hiperarticulado, porém com pouquíssimas palavras. Era muito mais que um documentário. Uma justaposição de imagens, de Lenin até Ieltsin, criava uma espécie de tempo que permitia perceber a continuidade histórica apenas através dos rostos. Ele filmou Ieltsin na cozinha de sua casa, olhando para uma garrafa e um copo de vodca, sem dizer nada. Depois, vendo "Mãe e Filhos", constatei que é a densidade da imagem, a informação puramente visual que faz o seu estilo. Não é um continuador de Tarkovski, mas tem uma força tão grande quanto e, ao mesmo tempo, incrível capacidade de apreensão da sociedade".
Boris Schnaiderman - "Em meu livro "Os Escombros e o Mito - A Cultura e o Fim da União Soviética" (Cia. das Letras, 97), citei, a respeito de Sokourov, Mikhail Iampolski, do "Cahiers de Cinéma". O crítico notou que, em sua versão de "Madame Bovary" (1989), o diretor utilizava jogos de linguagem entre os idiomas russo e francês para pôr em primeiro plano a comunicação intuitiva, corporal, carnal. Partindo do texto de Flaubert, Sokourov esforçava-se visivelmente para derrubar os seus valores: o racional era dinamitado pelo sensual, o verbal pelo visual".
Hervé Gauville, crítico do "Libération" - "Páginas Escondidas" é o contrário de uma adaptação literária. Nele, a pintura não faz papel de decoração, a música não ilustra a ação, e o romance ("Crime e Castigo') não escreve o roteiro. Por outro lado, Sokourov não abre mão de nada. Inútil fazer crer que seu cinema se dirige aos homens de boa vontade e aos inocentes de mãos puras. Para entrar em sua casa, deve-se ter visto todos os quadros, escutado todas as músicas, lido todos os livros e, além disso, extenuado a carne para lá do último grau de fadiga. (...). Não se deve assisti-lo senão quando em situação extrema, no momento em que se está disposto a tudo e quando se aceita não sair ileso".


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