São Paulo, sexta-feira, 15 de junho de 2001

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Mostra em São Paulo exibe, de hoje até 1º de julho, 40 títulos do cinema marginal dos anos 60 e 70

Marginais rompem a fronteira

Evento desperta debate sobre as atuais condições de produção do filme nacional e suas perspectivas

Divulgação
Cena de "Caveira My Friend", que integra a programação da mostra Cinema Marginal, em SP


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando contava quase 40 anos de idade, Ozualdo Candeias foi "alcançado" pelo cinema. De seu filme "A Margem", feito em 1967, um grupo de realizadores tomou de empréstimo o nome -cinema marginal- e as características definidoras -películas feitas com baixo orçamento, investimento financeiro livre de subsídios governamentais, descompromisso com cânones cinematográficos e autodidatismo.
É na exibição de 40 representantes dessa "circunstância" (a palavra movimento não agradava aos realizadores, que desdenhavam as pretensões corporativas dos cinemanovistas) que se assenta a mostra Cinema Marginal e Suas Fronteiras, em cartaz a partir de hoje no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo.
Até 1º de julho, o festival organizado pelos produtores Eugenio Puppo e Vera Haddad promoverá 57 sessões gratuitas, quatro debates e um workshop com José Mojica Marins, ícone absoluto da vertente "trash" do cinema brasileiro, que tem um de seus filmes na programação da mostra.
O refletor, agora apontado para uma produção insistentemente mantida à sombra, deu ocasião a que "marginais" de A a Z discutissem as condições passadas e presentes da produção cinematográfica nacional e especulassem sobre as suas possibilidades futuras.
Candeias, que está com 79 ou 85 anos, "dependendo da versão", vê duas únicas diferenças entre o cinema da Boca -variação de cinema marginal em referência direta à Boca do Lixo, endereço de militância de grande parte dos cineastas- e os filmes produzidos hoje.
"Nós não tínhamos feito escola de cinema e, portanto, não conhecíamos técnica. Hoje, todo mundo estuda cinema em nível superior. Nós produzíamos nossos próprios filmes, com muito pouco dinheiro. Agora, todos conseguem benefício do governo e têm altos orçamentos", diz.
O cineasta diz que não saberia avaliar qual dos dois modelos é melhor. Para Candeias, uma e outra situação são decorrência de uma condição imutável: "Todo mundo quer fazer um filme e acha que tem uma boa história; muitas vezes, é a sua própria".
João Silvério Trevisan, 56, que comparece com um título na mostra ("Orgia ou o Homem que Deu Cria", 1970), acha que o cinema brasileiro atual é "refém do fotógrafo e do cenógrafo e padece de uma crônica falta de bons roteiros".
Trevisan diz que a alternativa é assumir a vocação para filmes de baixo orçamento e inventividade, de acordo com o tripé "uma idéia na cabeça, pouco dinheiro no bolso e uma câmera na mão, como exige a situação do país, que é um cenário real, e não de ficção".
"É necessário pensar em outras alternativas. Não sou ingênuo ou burro ao ponto de dizer que o governo vai peitar um plano que seria, na verdade, um antiplano de indústria cinematográfica. Mas entendo que, se o governo quiser contemplar esse país com as alternativas que ele pode dar do ponto de vista da indústria cultural, terá de oferecer outra chance. Porque, novamente, qualquer tentativa que for feita de indústria cinematográfica irá para o buraco, mas não sem contemplar os mesmos grandes produtores, o Barretão (Luiz Carlos Barreto), o Guilherme Fontes. Os mesmos que têm acesso a esse tipo de torneira e que não são os pequenos produtores nem os diretores à espera de oportunidade", diz Trevisan.


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