São Paulo, terça-feira, 15 de junho de 2004

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Jeffrey Eugenides ('Virgens Suicidas') falará em festival de seu premiado romance sobre menina que se descobre homem

Americano leva "hermafrodita" a Parati

Associated Press
O escritor Jeffrey Eugenides, de "Middlesex" e "Virgens Suicidas"


CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Com apenas dois romances publicados, o sujeito ao lado -sentado em uma mesa com talheres, mas sem pratos de comida- já tem seu nome incluído no cardápio das melhores iguarias literárias norte-americanas.
Jeffrey Eugenides, 43, estreou com um antepasto de primeira, o romance "Virgens Suicidas", publicado em 1º de abril (é verdade) de 1993. Só nove anos depois, porém, veio o prato principal, o romanção "Middlesex", que abocanhou prêmios como o Pulitzer e louvores a mancheias.
Lançada no Brasil no ano passado, pela Rocco, a história do hermafrodita Cal Stephanides será devidamente servida na mesa só agora. O autor é uma das estrelas da Festa Literária Internacional de Parati, no início de julho.
"Minha editora, Liz Calder, a organizadora do festival, vem me dizendo há anos que queria fazer este evento, abrindo meu apetite para Parati. Estou até ansioso para ter minhas impressões digitais gravadas aí", disse Eugenides à Folha, em entrevista por telefone.
Na conversa a seguir, este autor de Detroit, filho de gregos, radicado em Berlim (como o hermafrodita sobre o qual escreve) fala sobre "Middlesex", que será assunto de sua palestra ao lado do inglês Jonathan Coe. Leia trechos.
 

Folha - Até que ponto o significado de seu sobrenome (Eugenides significa "bons genes" em grego) serviu de inspiração para escrever um romance sobre um sujeito com uma mutação genética?
Jeffrey Eugenides -
Talvez inconscientemente isso tenha influenciado. Mas na verdade o que queria era brincar com a idéia de uma autobiografia de um hermafrodita, sem tratá-lo como um ser mágico. Isso me levou a pesquisar a genética e a escrever uma história mais ampla, de um gene defeituoso passando por gerações.

Folha - Você publicou "Virgens Suicidas" e levou nove anos para lançar o segundo. Este é o tempo que Ulisses ficou preso pela ninfa Calipso. Qual foi a ninfa que te prendeu durante tantos anos?
Eugenides -
Não foi tão agradável como ser capturado por uma ninfa. Foi algo mais próximo de ser pego por um demônio.

Folha - Qual será o próximo?
Eugenides -
Comecei um novo romance, que está naquelas condições de romances quando estão sendo começados: um monte de páginas, cada uma caminhando para um lugar diferente. Só sei que uma parte do livro deverá ser em Detroit, de novo. Outra parte deve se desenrolar na Índia.

Folha - Muitos dos melhores romances dos últimos anos em língua inglesa são livros volumosos sobre grandes sagas familiares, caso de "As Correções", de Jonathan Franzen, "Dentes Brancos", de Zadie Smith, e seu "Middlesex". Por que esse formato tem tanto apelo hoje? Eugenides - Não acho que sejam livros similares. Acho que o formato das sagas familiares de fato ganhou fôlego nos últimos anos, mas é apenas um modo de ficção.

Folha - Embora seja a história de três gerações, com panos de fundo reais, seu livro não tem sabor de romance histórico. Por quê?
Eugenides -
Concordo que não pareça um romance histórico, gênero geralmente muito chato. Só me enfiei de alguma forma no passado porque queria escrever sobre genética. Tentei manter um ar contemporâneo e fazer um ziguezague entre passado e presente para aliviar o lado "morto" da ficção histórica. Romances históricos se passam só no passado.

Folha - Você considera que este "ar contemporâneo" pode ser chamado de pós-moderno?
Eugenides -
Claro que depende do que você chama de pós-moderno, mas uma das características do gênero é uma certa autoconsciência das técnicas narrativas: o autor chama a atenção para a mecânica da escrita. Meu narrador, Cal Stephanides, faz isso. Assim, a estratégia narrativa é pós-moderna. Também há algo pós-moderno na recuperação de velhas formas de contar histórias, o que faço ao associar o livro com o épico, para efeitos de humor.

Folha - Seus livros têm temas duros, mas são bem-humorados. Qual é a importância de ser engraçado?
Eugenides -
Sempre tive como meus livros prediletos obras com senso de humor. Não conseguiria escrever algo muito sisudo.

Folha - Não por conta do humor, mas por outras características seu livro lembra um pouco "Cem Anos de Solidão", de García Márquez. Você leu/gosta deste romance?
Eugenides -
Sou influenciado por ele, mas mais ainda por autores influenciados por ele, como "Filhos da Meia-Noite", de Salman Rushdie. É uma saga de gerações, lida com história, tem um narrador curioso e é engraçado e trágico, como "Middlesex".

Folha - Márquez usou muito de sua experiência pessoal em "Cem Anos". Você também desenhou seu hermafrodita com um histórico parecido com o seu. Por quê?
Eugenides -
Não consigo pensar em outro modo de fazê-lo. Queria escrever sobre algo que desconhecia. Para fazer com que ficasse minimamente crível teria de ancorar a história em coisas reais.

Folha - Qual o modo de narrar de um hermafrodita, mais feminino ou masculino?
Eugenides -
Não sei. Tentei em "Middlesex" contar a história de uma menina que se descobre um homem. Achei que a voz dele seria a de um homem. Não tentei criar um modo de narrar hermafrodita, o que nem sei se existe.


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