São Paulo, quarta-feira, 15 de junho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"O Imperador de Atlântida", do austríaco Viktor Ullmann chega a SP

Artista de origem judaica compôs obra em campo de concentração


Uma ópera na dor

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A música vale por si mesma mas também pelas condições em que foi produzida. A ópera "O Imperador de Atlântida", com duas récitas amanhã e sábado no teatro Alfa, foi produzida na dor.
Seu compositor, o austríaco de origem judaica Viktor Ullmann (1898-1944), foi um dos muitos artistas confinados pelo nazismo no campo de concentração de Theresienstadt, imediações de Praga, na atual República Tcheca. A ópera foi escrita lá em 1943. Não chegou a estrear em junho de 1944 para o público de confinados, conforme o previsto.
Ullmann e seu libretista Petr Kien, cantores e os músicos da pequena orquestra foram transferidos para Auschwitz e mortos em outubro nas câmaras de gás.
O espetáculo, que chega pela primeira vez a São Paulo, é uma produção beneficente, que arrecada fundos para a Tucca (Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer).
Essa montagem de "O Imperador de Atlântida" estreou em 2003 em Buenos Aires. É um trabalho do Ensemble da Ópera de Câmara do Teatro Colón, de onde chegam também o diretor cênico Marcelo Lombardero, os seis solistas vocais e a orquestra de 15 músicos. O regente e diretor musical, Guillermo Brizzio, deu a seguinte entrevista à Folha.

 

Folha - Pouquíssimo se sabe por aqui de Viktor Ullmann. Por ter sido aluno de Schönberg, ele compunha na linguagem dodecafônica?
Guillermo Brizzio -
Não. Ele também estudou com [o compositor Alexander] Zemlinsky (1871-1942) e demonstra conhecer as técnicas da vanguarda da Escola de Viena, embora não seja um partidário delas. "O Imperador de Atlântida" não é uma obra vanguardista ou "moderna". Ela se parece musicalmente com Kurt Weill. É algo que lembra bem mais a música dos cabarés alemães da década de 20.

Folha - E como Ullmann fez a instrumentação?
Brizzio -
A orquestra é bastante pequena. É preciso lembrar que, no campo de concentração de Theresienstadt, Ullmann tinha à disposição apenas um quinteto de cordas e uma banda de jazz. Foi por isso que ele escreveu para esses cinco instrumentos de cordas e mais flauta, oboé, saxofone, trompete, banjo e guitarra. Temos ao todo apenas 15 músicos.

Folha - Os 15 músicos que o sr. regerá em São Paulo são de seus corpos estáveis?
Brizzio -
Sim. Serão todos, a exemplo dos cantores, do Ensemble da Ópera de Câmara do Colón, de Buenos Aires.

Folha - Quando o sr. estreou na Argentina "O Imperador"?
Brizzio -
Foi em outubro de 2003, com quatro récitas, e mais três em março seguinte. Foram feitas mais três récitas no interior da Argentina e em seguida mais uma, no teatro Coliseu, de Buenos Aires, em 5 de maio último, nos 60 anos do fim do Holocausto.

Folha - O que o sr. sabe sobre os planos da estréia de "O Imperador" em Theresienstadt?
Brizzio -
Os planos não chegaram a ser colocados em prática, porque a ópera simplesmente não chegou a estrear. Ullmann fez um ensaio geral, em julho de 1944. Mas a SS [tropas de elite do 3º Reich] estava presente e proibiu que o espetáculo fosse exibido. Os nazistas perceberam que o personagem do Imperador era uma alusão muito nítida e caricatural ao próprio Adolf Hitler.

Folha - E logo em seguida Ullmann seria morto nas câmaras de gás, não é verdade?
Brizzio -
Sim. Em agosto de 1944, quando o Exército Vermelho avançava sobre a Boêmia, Ullmann, seu libretista, Petr Kien, e mais todos os músicos seriam levados a Auschwitz, onde foram mortos em 16 de outubro.

Folha - Por quais circuitos a ópera chegou até nós?
Brizzio -
Um sobrevivente de Theresienstadt levou as partituras para Londres. Mas só 30 anos depois, em 75, estreou na Holanda.

Folha - Fale mais sobre o lado burlesco da música.
Brizzio -
A primeira parte da ópera é baseada numa história fantasiosa, bastante alegórica. O Imperador é sangüinário. Mas a partir de determinado momento a Morte, outro personagem, abre mão do poder que tem de se apoderar das pessoas perseguidas e condenadas. Então os condenados deixam de morrer. Os mortos são em verdade mortos-vivos. O Imperador se vê encurralado, até que procura negociar com a Morte e esta aceita um acordo, mas desde que o Imperador seja o primeiro a ser morto. Nessa paródia do final do nazismo há uma música bem próxima daquela que, durante a República de Weimar, era feita nos cabarés alemães. Mas na última parte tem-se algo próximo ao barroco, como se estivéssemos diante de uma cantata de Bach.


O Imperador de Atlântida
Quando:
amanhã e dia 18, às 21h
Onde: teatro Alfa (r. Bento Branco de Andrade Filho, 722, Santo Amaro, SP, tel. 0/xx/ 11/ 5693-4000)
Quanto: R$ 60 a R$ 180


Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: Campo de Theresienstadt abrigou artistas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.