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TEATRO
O dramaturgo e diretor argentino participa do Festival Internacional de Londrina com "La Estupidez", sobre avareza
Rafael Spregelburd encena vale-tudo contemporâneo
VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A LONDRINA
O dinheiro é um "valor" universal mais reconhecido do que a inteligência, aposta a dramaturgia
do argentino Rafael Spregelburd,
35, um dos expoentes da cena
contemporânea em seu país.
Suas peças invariavelmente passam pelo desmonte de instituições como a família, a religião e as
representações de poder na política e na economia. "Há sempre
uma interpretação bastante paródica dos falsos modos de vida, um
questionamento do senso comum", diz Spregelburd, que participa do Festival Internacional de
Londrina (Filo) com "La Estupidez" (2002), que versa sobre a
avareza (Circo Funcart, hoje e
amanhã, às 20h).
Foi escrita justamente quando a
Argentina atravessa sua pior crise
econômica dos últimos tempos.
"Não me interessa usar o teatro
para dizer que o dinheiro faz bem
ou faz mal, quando todos sabemos que ele [o vil metal] transforma as relações pessoais, institucionais", diz o autor. À falta literal
de grana, Spregelburd contrapôs
uma comédia absurda, de tons
melodramáticos, sobre personagens dispostos a tudo por dinheiro: roubam, jogam e trapaceiam,
não importa a ordem.
O tabuleiro da história é Las Vegas. Entre os "jogadores compulsivos", estão dois contrabandistas
de obras de arte que tentam vender um quadro antes que ele se
apague; policiais motorizados
que enredam por traições; um
cientista que mantém uma relação problemática com o filho; e
mafiosos empenhados na fabricação de uma nova estrela pop.
Spregelburd pensa o teatro como roteiro de cinema, daí a perspectiva de "road movie" que adota para "La Estupidez". É um teatro de situações, sem o imperativo
da palavra. "Na Argentina, há
uma tradição do teatro de matriz
mais literária, mais européia. Faço parte de uma geração de autores que pensa o teatro quase como
se pensa o cinema; a dramaturgia
é quase como um roteiro. Às vezes, não tem um valor literário,
inexistem metáforas e fala do que
se tem que falar, sem o intento de
"poetizar", como na literatura pura. A poesia tem a ver com a construção do texto, com as situações
que a peça cria", diz Spregelburd.
"La Estupidez" faz parte do projeto do argentino de escrever peças inspiradas na "Heptalogia" do
pintor flamengo Hieronymus
Bosch (1450-1516) sobre os sete
pecados. Já foram encenadas "A
Inapetência" (2003), "O Pânico"
(2003), "A Modéstia" (1999) e "A
Extravagância" (1997).
Como ocorre à maioria dos dramaturgos brasileiros que despontou nos últimos anos, Spregelburd vincula sua produção a um
grupo. No seu caso, o El Patrón
Vazquez, de Buenos Aires, do
qual foi um dos fundadores, em
1994, ao lado da atriz e autora Andrea Garrote -completam o
elenco Héctor Díaz, Mónica Raiola e Alberto Suárez.
Quando lhe ocorre escrever
mais enfaticamente sobre realidade das ruas, recurso do qual o teatro latino-americano abusa, segundo ele, Spregelburd se esquiva
de montar o texto em seu país. Foi
o caso de "Um Momento Argentino" (2000), escrita em intercâmbio com o Royal Court Theatre,
de Londres, dentro de um programa internacional de defesa dos direitos humanos.
A crise que sacudiu o seu país,
"um proveitoso laboratório mundial para os experimentos do neoliberalismo", deflagrou injustiças.
"Montar a peça na Argentina seria insuportável, difícil de ver.
Não tem sentido voltar aos temas
que estão na boca de todo mundo", afirma.
Em tempo: Patrón Vazquez, ou
Patrão Vasques, é o chefe do ajudante de guarda-livros Bernardo
Soares/Fernando Pessoa em "O
Livro do Desassossego". Em castelhano, "patrón" pode se referir
também ao vizinho.
O jornalista Valmir Santos viajou a convite da organização do Filo 2005
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