São Paulo, domingo, 15 de junho de 2008

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FELIPE HIRSCH

Faço um teatro romântico mas concreto

Com peça em cartaz em São Paulo, o premiado diretor diz que Antônio Abujamra o "tirou da inocência"

Ele também aponta Antunes Filho como influência e diz só não ter encenado Nelson Rodrigues por falta de idéia que fizesse jus ao dramaturgo


LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

"É tanta novidade que não precisa de mais", diz o diretor Felipe Hirsch, 36, sobre o despojamento que pretende imprimir aos shows em celebração aos 50 anos da bossa nova que juntarão num só palco, em agosto, Caetano Veloso e Roberto Carlos para interpretar um repertório de Tom Jobim.
O comentário poderia servir de síntese do ímpeto criativo deste carioca criado em Curitiba e radicado em São Paulo, cuja peça "Não sobre o Amor" está em cartaz na unidade paulistana do Centro Cultural Banco do Brasil. Ele conta ter "uns 15 projetos" em andamento -dentre eles, um novo espetáculo e uma turnê internacional de sua Sutil Cia., além da estréia no cinema, "Insolação".
Respeitado por sua inventividade, Hirsch vez ou outra ouve ressalvas por encenar mais autores estrangeiros do que nacionais. Mas não liga: "Sou filtrado por aqui. O resto é patrulha". Influenciado por Antônio Abujamra (que lhe "tirou da inocência"), ele vê seu teatro como "romântico, mas concreto". Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

 

FOLHA - Já está fechado o repertório dos shows que Caetano Veloso e Roberto Carlos farão em homenagem a Tom Jobim (1927-1994)?
HIRSCH
- Ainda não. Nosso [dele e de Monique Gardenberg, co-diretora] papel no show é deixá-los à vontade e ir direto ao ponto, que é homenagear Tom Jobim e a genialidade de interpretação desses dois homens. O encontro dos dois, o fato de Roberto cantar Tom [ele só gravou "Lígia"]: é tanta novidade que não precisa de mais.

FOLHA - No teatro, seu trabalho mais recente é o intimista "Não sobre o Amor", radicalmente diferente do anterior, "Educação Sentimental do Vampiro" (2007), histriônico e expressionista. Por que mudou de registro?
FELIPE HIRSCH
- Isso acontece por vezes na minha vida. De "A Vida É Cheia de Som e Fúria" (2000) para "Os Solitários" (2002), ou mesmo desta para "Temporada de Gripe" (2003). Não é nada tão radical, porque esses trabalhos vêm sendo preparados há muito tempo. "Não sobre o Amor" começou para mim em 2003, quando iniciei o roteiro do filme "Insolação" com o [dramaturgo e roteirista norte-americano] Will Eno e a Daniela Thomas. Não foi uma mudança que tenha estabelecido para depois do "Educação...", mas aconteceu de fato, em textura e sensorialidade.

FOLHA - "Insolação" é anunciado há três anos. Será rodado agora?
HIRSCH
- Filmamos [ele e a co-diretora Daniela Thomas] em setembro. Estou muito feliz com o roteiro, embora seja um roteiro... a gente brinca que vai fazer um filme para Bienal, não para cinema. Não sei o quanto de público vai querer assistir a este filme. Há um homem do Leste Europeu que só sabe falar "café". E ele entra num local onde não tem café. As pessoas que estão em torno dele vivem histórias de amor. Pouca coisa acontece, mas existe uma camada sensorial muito bonita.

FOLHA - Parte da crítica faz ressalvas à sua suposta preferência pela dramaturgia anglófona...
HIRSCH
- Desde 2003, eu não faço propriamente dramaturgia, com exceção d" "O Avarento" (2006), que fiz para o Paulo [Autran, 1922-2007]. Quero desenvolver uma idéia conceitualmente e depois dar forma a ela. Nesse sentido, montei Dalton Trevisan ["Educação..."].

FOLHA - Foi o primeiro brasileiro.
HIRSCH
- Foi, mas montei textos que escrevi também. Sou um artista brasileiro, meu filtro é o mais próximo possível. É aqui que eu freqüento, são estas as minhas ruas. Eu sou filtrado por aqui. O resto é patrulha.

FOLHA - A patrulha tem aumentado com o passar dos anos?
HIRSCH
- Acho que diminuiu. Todo mundo cai na real e percebe que sou um artista brasileiro, que fez Dalton Trevisan e espetáculos meus, mas também Shakespeare, Molière, Will Eno. Não fico muito ligado nisso, não. Não estou aqui para fazer sala para ninguém.

FOLHA - Sente um certo ufanismo nas críticas a você, como se um diretor tivesse de passar pela "prova" da dramaturgia brasileira?
HIRSCH
- Talvez, mas eu reverencio Nelson Rodrigues (1912-1980), só não fiz ainda porque eu não tenho o que dizer com Nelson Rodrigues a ponto de fazer jus ao talento e à genialidade dele. Acho ele incrível, um dos maiores dramaturgos da história. Não vou montar Nelson para dizer que montei.

FOLHA - Acompanha o trabalho de algum dramaturgo brasileiro contemporâneo com especial atenção?
HIRSCH
- Newton Moreno [de "Agreste" e "As Centenárias"]. Acho ele uma cabeça ótima, criativo. Gosto muito também da dignidade do Mário Bortolotto. Um dia, é possível [que encene um autor brasileiro].

FOLHA - Quais são suas influências?
HIRSCH
- Antunes Filho, Antônio Abujamra. O Abujamra me tirou da inocência: eu poderia fazer, como vejo muitos por aí, um teatro ingênuo e romântico. Eu faço um teatro romântico, mas concreto, como o Abujamra me pediu um dia. O Antunes tem uma energia criativa avassaladora; acho ele explosivo e apaixonado. Mas poderia citar mil jovens que me interessam: o Antônio Araújo, o João Fonseca, o Michel Melamed.

FOLHA - "Não sobre o Amor" começa com a frase: "Todas as palavras boas estão pálidas de exaustão". O mesmo vale para o bom teatro?
HIRSCH
- Eu acho que sim, mas falaria isso também do cinema e das artes plásticas. Acho que nós somos artistas. Quando eu fui fazer "Não sobre o Amor", não sabia se sairia uma instalação, uma peça ou um filme. Estava aberto a tudo. O Brasil tem uma característica especial: por causa desse caos socioeconômico histórico, gera manifestações artísticas maravilhosas. Quando tenho a oportunidade de viajar, vejo um teatro chato sendo feito pelo mundo. Agora, não é por que é brasileiro que vou dizer que é "do caralho". Isso não é selo para nada. Sou apaixonado, mas não hipócrita.


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