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FELIPE HIRSCH
Faço um teatro romântico mas concreto
Com peça em cartaz em São Paulo, o premiado diretor diz que Antônio Abujamra o "tirou da inocência"
Ele também aponta Antunes Filho como influência e diz só não ter encenado Nelson Rodrigues por falta de idéia que fizesse jus ao dramaturgo
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
"É tanta novidade que não
precisa de mais", diz o diretor
Felipe Hirsch, 36, sobre o despojamento que pretende imprimir aos shows em celebração aos 50 anos da bossa nova
que juntarão num só palco, em
agosto, Caetano Veloso e Roberto Carlos para interpretar
um repertório de Tom Jobim.
O comentário poderia servir
de síntese do ímpeto criativo
deste carioca criado em Curitiba e radicado em São Paulo, cuja peça "Não sobre o Amor" está em cartaz na unidade paulistana do Centro Cultural Banco
do Brasil. Ele conta ter "uns 15
projetos" em andamento
-dentre eles, um novo espetáculo e uma turnê internacional
de sua Sutil Cia., além da estréia no cinema, "Insolação".
Respeitado por sua inventividade, Hirsch vez ou outra ouve ressalvas por encenar mais
autores estrangeiros do que
nacionais. Mas não liga: "Sou
filtrado por aqui. O resto é patrulha". Influenciado por Antônio Abujamra (que lhe "tirou
da inocência"), ele vê seu teatro
como "romântico, mas concreto". Leia a seguir os principais
trechos da entrevista:
FOLHA - Já está fechado o repertório dos shows que Caetano Veloso e
Roberto Carlos farão em homenagem a Tom Jobim (1927-1994)?
HIRSCH - Ainda não. Nosso [dele
e de Monique Gardenberg, co-diretora] papel no show é deixá-los à vontade e ir direto ao
ponto, que é homenagear Tom
Jobim e a genialidade de interpretação desses dois homens. O
encontro dos dois, o fato de Roberto cantar Tom [ele só gravou "Lígia"]: é tanta novidade
que não precisa de mais.
FOLHA - No teatro, seu trabalho
mais recente é o intimista "Não sobre o Amor", radicalmente diferente do anterior,
"Educação Sentimental do Vampiro" (2007), histriônico e expressionista. Por que mudou de registro?
FELIPE HIRSCH - Isso acontece
por vezes na minha vida. De "A
Vida É Cheia de Som e Fúria"
(2000) para "Os Solitários"
(2002), ou mesmo desta para
"Temporada de Gripe" (2003).
Não é nada tão radical, porque
esses trabalhos vêm sendo preparados há muito tempo. "Não
sobre o Amor" começou para
mim em 2003, quando iniciei o
roteiro do filme "Insolação"
com o [dramaturgo e roteirista
norte-americano] Will Eno e a
Daniela Thomas. Não foi uma
mudança que tenha estabelecido para depois do "Educação...", mas aconteceu de fato,
em textura e sensorialidade.
FOLHA - "Insolação" é anunciado
há três anos. Será rodado agora?
HIRSCH - Filmamos [ele e a co-diretora Daniela Thomas] em
setembro. Estou muito feliz
com o roteiro, embora seja um
roteiro... a gente brinca que vai
fazer um filme para Bienal, não
para cinema. Não sei o quanto
de público vai querer assistir a
este filme. Há um homem do
Leste Europeu que só sabe falar
"café". E ele entra num local
onde não tem café. As pessoas
que estão em torno dele vivem
histórias de amor. Pouca coisa
acontece, mas existe uma camada sensorial muito bonita.
FOLHA - Parte da crítica faz ressalvas à sua suposta preferência pela
dramaturgia anglófona...
HIRSCH - Desde 2003, eu não faço propriamente dramaturgia,
com exceção d" "O Avarento"
(2006), que fiz para o Paulo
[Autran, 1922-2007]. Quero
desenvolver uma idéia conceitualmente e depois dar forma a
ela. Nesse sentido, montei Dalton Trevisan ["Educação..."].
FOLHA - Foi o primeiro brasileiro.
HIRSCH - Foi, mas montei textos que escrevi também. Sou
um artista brasileiro, meu filtro
é o mais próximo possível. É
aqui que eu freqüento, são estas
as minhas ruas. Eu sou filtrado
por aqui. O resto é patrulha.
FOLHA - A patrulha tem aumentado com o passar dos anos?
HIRSCH - Acho que diminuiu.
Todo mundo cai na real e percebe que sou um artista brasileiro, que fez Dalton Trevisan e
espetáculos meus, mas também Shakespeare, Molière,
Will Eno. Não fico muito ligado
nisso, não. Não estou aqui para
fazer sala para ninguém.
FOLHA - Sente um certo ufanismo
nas críticas a você, como se um diretor tivesse de passar pela "prova" da
dramaturgia brasileira?
HIRSCH - Talvez, mas eu reverencio Nelson Rodrigues (1912-1980), só não fiz ainda porque
eu não tenho o que dizer com
Nelson Rodrigues a ponto de
fazer jus ao talento e à genialidade dele. Acho ele incrível, um
dos maiores dramaturgos da
história. Não vou montar Nelson para dizer que montei.
FOLHA - Acompanha o trabalho de
algum dramaturgo brasileiro contemporâneo com especial atenção?
HIRSCH - Newton Moreno [de
"Agreste" e "As Centenárias"].
Acho ele uma cabeça ótima,
criativo. Gosto muito também
da dignidade do Mário Bortolotto. Um dia, é possível [que
encene um autor brasileiro].
FOLHA - Quais são suas influências?
HIRSCH - Antunes Filho, Antônio Abujamra. O Abujamra me
tirou da inocência: eu poderia
fazer, como vejo muitos por aí,
um teatro ingênuo e romântico. Eu faço um teatro romântico, mas concreto, como o Abujamra me pediu um dia. O Antunes tem uma energia criativa
avassaladora; acho ele explosivo e apaixonado. Mas poderia
citar mil jovens que me interessam: o Antônio Araújo, o João
Fonseca, o Michel Melamed.
FOLHA - "Não sobre o Amor" começa com a frase: "Todas as palavras
boas estão pálidas de exaustão". O
mesmo vale para o bom teatro?
HIRSCH - Eu acho que sim, mas
falaria isso também do cinema
e das artes plásticas. Acho que
nós somos artistas. Quando eu
fui fazer "Não sobre o Amor",
não sabia se sairia uma instalação, uma peça ou um filme. Estava aberto a tudo. O Brasil tem
uma característica especial: por
causa desse caos socioeconômico histórico, gera manifestações artísticas maravilhosas.
Quando tenho a oportunidade
de viajar, vejo um teatro chato
sendo feito pelo mundo. Agora,
não é por que é brasileiro que
vou dizer que é "do caralho". Isso não é selo para nada. Sou
apaixonado, mas não hipócrita.
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