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Jamelão, o intérprete da Mangueira, morre aos 95
Rabugento e carismático, cantor comandou escola por mais de 50 anos
Unanimidade como o melhor intérprete de sambas-enredo da história, foi um dos grandes cantores românticos do país
Luciana Cavalcanti - 27.jan.2005/Folha Imagem
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Jamelão, morto na manhã de ontem com infecção generalizada
DA REPORTAGEM LOCAL
DA SUCURSAL DO RIO
Se o samba está certo, "a
Mangueira não morreu nem
morrerá", mas emudeceu. Com
nome de árvore como o da sua
escola, Jamelão morreu ontem,
aos 95, de infecção generalizada. Ele estava internado desde
quinta-feira na clínica Pinheiro
Machado, na zona sul do Rio.
José Bispo Clementino dos
Santos, o Jamelão, deixa mulher, filha e dois netos. O enterro está marcado para hoje, às
11h, no cemitério São Francisco
Xavier, na zona portuária. A
Mangueira divulgou nota de luto e informou que fará no próximo sábado um tributo a ele.
Em 2006, Jamelão sofreu
dois derrames e teve de abandonar a carreira. Passou a ser
atendido por uma equipe médica em casa, em Vila Isabel (zona
norte), precisando de internações em curtos períodos.
Além de ser unanimidade como o melhor intérprete de
sambas-enredo da história, comandando a Mangueira na avenida por mais de 50 anos, Jamelão foi um dos grandes cantores românticos do país. A
obra de Lupicínio Rodrigues
era uma especialidade sua, e o
compositor gaúcho nunca escondeu sua preferência pela
voz do artista carioca.
À Estação Primeira de Mangueira Jamelão chegou levado
por Lauro Santos, o Gradim,
um dos principais compositores da escola. Com seu vozeirão, assumiu o posto de intérprete no início da década de 50,
para só deixá-lo quando o corpo não permitiu mais.
Jamelão deu outro status à
função de puxador de samba,
classificação que odiava. "Puxador é quem fuma maconha
ou rouba carro", dizia. Unia um
grande profissionalismo, que o
fazia exigir ser chamado de "intérprete", ao amor pela escola,
a qual não abandonou nem
quando considerava horrível o
samba que tinha de cantar.
A cada entrada sua na avenida, era ovacionado pelo público. Nada que abalasse seu mau
humor crônico. "Rir de quê?",
disse certa vez em entrevista à
Folha, quando questionado
por que não ria. "Prêmio não
paga conta", gostava de falar,
despachando os repórteres que
lhe telefonavam para repercutir alguma homenagem.
Embora se queixasse da falta
de reconhecimento para artistas populares como ele, não
gostava de muita bajulação. São
célebres duas recusas suas a fãs
que queriam beijá-lo: "Não beija minha mão porque não sou
pai-de-santo"; "Não [pode beijar]! Não sei onde você andou
com essa boca".
Tão rabugento quanto carismático, de voz tão forte quanto
macia, Jamelão morre sem deixar substitutos na Mangueira,
no samba, na música.
Repercussão
Ontem, sambistas lamentavam o falecimento do colega.
Na opinião de Nelson Sargento,
a perda é irreparável. "Um artista como o Jamelão todo
mundo sente falta. Neste ano,
ele não pôde estar presente no
desfile e o povo inteiro gritava:
"Cadê o Jamelão?" Quando a
população procura por um artista é porque ele é realmente
importante."
Para Monarco, da Velha
Guarda da Portela, ele era a voz
do Brasil. "Diziam que Jamelão
era mal-humorado, mas no
samba era só felicidade. Era a
maior voz do Brasil e o orgulho
do mundo do samba, que acordou hoje [ontem] mais triste."
A cantora Beth Carvalho lamentou. "É um grande intérprete. Trabalhou como copista,
o cara que copia a partitura para distribuir para cada instrumento. Sabia música."
Zeca Pagodinho lembrou da
influência de Jamelão sobre os
sambistas. "Todo mundo que é
do samba cresceu ouvindo Jamelão. Na minha casa, um dia
ele cantou oito horas. Gostava
muito do jeitão invocado dele."
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