São Paulo, domingo, 15 de junho de 2008

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Jamelão, o intérprete da Mangueira, morre aos 95

Rabugento e carismático, cantor comandou escola por mais de 50 anos

Unanimidade como o melhor intérprete de sambas-enredo da história, foi um dos grandes cantores românticos do país


Luciana Cavalcanti - 27.jan.2005/Folha Imagem
Jamelão, morto na manhã de ontem com infecção generalizada

DA REPORTAGEM LOCAL
DA SUCURSAL DO RIO

Se o samba está certo, "a Mangueira não morreu nem morrerá", mas emudeceu. Com nome de árvore como o da sua escola, Jamelão morreu ontem, aos 95, de infecção generalizada. Ele estava internado desde quinta-feira na clínica Pinheiro Machado, na zona sul do Rio.
José Bispo Clementino dos Santos, o Jamelão, deixa mulher, filha e dois netos. O enterro está marcado para hoje, às 11h, no cemitério São Francisco Xavier, na zona portuária. A Mangueira divulgou nota de luto e informou que fará no próximo sábado um tributo a ele.
Em 2006, Jamelão sofreu dois derrames e teve de abandonar a carreira. Passou a ser atendido por uma equipe médica em casa, em Vila Isabel (zona norte), precisando de internações em curtos períodos.
Além de ser unanimidade como o melhor intérprete de sambas-enredo da história, comandando a Mangueira na avenida por mais de 50 anos, Jamelão foi um dos grandes cantores românticos do país. A obra de Lupicínio Rodrigues era uma especialidade sua, e o compositor gaúcho nunca escondeu sua preferência pela voz do artista carioca.
À Estação Primeira de Mangueira Jamelão chegou levado por Lauro Santos, o Gradim, um dos principais compositores da escola. Com seu vozeirão, assumiu o posto de intérprete no início da década de 50, para só deixá-lo quando o corpo não permitiu mais.
Jamelão deu outro status à função de puxador de samba, classificação que odiava. "Puxador é quem fuma maconha ou rouba carro", dizia. Unia um grande profissionalismo, que o fazia exigir ser chamado de "intérprete", ao amor pela escola, a qual não abandonou nem quando considerava horrível o samba que tinha de cantar.
A cada entrada sua na avenida, era ovacionado pelo público. Nada que abalasse seu mau humor crônico. "Rir de quê?", disse certa vez em entrevista à Folha, quando questionado por que não ria. "Prêmio não paga conta", gostava de falar, despachando os repórteres que lhe telefonavam para repercutir alguma homenagem.
Embora se queixasse da falta de reconhecimento para artistas populares como ele, não gostava de muita bajulação. São célebres duas recusas suas a fãs que queriam beijá-lo: "Não beija minha mão porque não sou pai-de-santo"; "Não [pode beijar]! Não sei onde você andou com essa boca".
Tão rabugento quanto carismático, de voz tão forte quanto macia, Jamelão morre sem deixar substitutos na Mangueira, no samba, na música.

Repercussão
Ontem, sambistas lamentavam o falecimento do colega. Na opinião de Nelson Sargento, a perda é irreparável. "Um artista como o Jamelão todo mundo sente falta. Neste ano, ele não pôde estar presente no desfile e o povo inteiro gritava: "Cadê o Jamelão?" Quando a população procura por um artista é porque ele é realmente importante."
Para Monarco, da Velha Guarda da Portela, ele era a voz do Brasil. "Diziam que Jamelão era mal-humorado, mas no samba era só felicidade. Era a maior voz do Brasil e o orgulho do mundo do samba, que acordou hoje [ontem] mais triste."
A cantora Beth Carvalho lamentou. "É um grande intérprete. Trabalhou como copista, o cara que copia a partitura para distribuir para cada instrumento. Sabia música."
Zeca Pagodinho lembrou da influência de Jamelão sobre os sambistas. "Todo mundo que é do samba cresceu ouvindo Jamelão. Na minha casa, um dia ele cantou oito horas. Gostava muito do jeitão invocado dele."


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