São Paulo, segunda, 15 de junho de 1998

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QUADRINHOS
König desenha o universo gay alemão

PEDRO CIRNE DE ALBUQUERQUE
free-lance para a Folha

Por trás dos volumosos narizes e das bocas tortas de seus personagens, Ralf Herbert König usa suas histórias em quadrinhos para mostrar o universo gay alemão como ele o entende.
König, 37 anos, produz HQs há 18, sempre mostrando o homossexualismo ao qual ele próprio está ligado. Por desenhá-lo de modo aberto, com cenas de nu masculino e sexo homossexual, já sofreu ameaças da censura e teve seus livros apreendidos.
Os brasileiros têm agora a oportunidade de conhecer o trabalho de König. "O Homem Ideal", livro que escreveu há 11 anos, quebrando um jejum de quadrinhos publicados no país que abordam o tema. Os personagens Nanico, do Angeli, e os caubóis Rocky e Hudson, de Adão Iturrusgarai, são as exceções que confirmam a maioria absoluta dos heterossexuais.
"Quero mostrar que homens gays têm problemas e sonhos como os heteros e que as diferenças são mínimas", disse König, em entrevista por fax à Folha.

Folha - O que os leitores esperam dos seus quadrinhos?
Ralf König -
Muito frequentemente há um grande mal-entendido entre os leitores que têm pouco a ver com o ambiente gay. Eles pensam que os gays são exatamente como eu os retrato em meus livros. E, é claro, isso é uma bobagem. O que eu desenho é, sem dúvida, resultado de como entendo gays e de minhas observações, mas também há muito de sátira e exagero em meu trabalho, e eu ponho bastante ênfase em sexo, um pouco mais do que no dia-a-dia normal do gay alemão.
Nós estamos falando sobre caricaturas de gays que vivem em uma sociedade heterossexual, e, quando esses dois mundos se encontram, surgem muitas situações cômicas. Há, com muita frequência, diferenças na maneira como a sexualidade é encarada, pequenas diferenças, mas de consequências enormes. Os homens agem diferente quando estão juntos, e isso acontece mais rápido, claro e forte entre os gays, uma qualidade que os homens heterossexuais quase sempre perdem.
Por outro lado, os gays têm seus próprios tiques, problemas de que os heterossexuais são poupados. Eu não faço julgamentos sobre essa questão, nada é melhor ou pior e nem deve ser encarado moralmente. Mas é quase sempre muito divertido, e eu acho que essa é a principal qualidade do meu trabalho.
Folha - O que você tem em comum com os personagens de "Der Bewegte Mann" (O Homem Ideal)?
König -
Personagens como Norbert Brommer e Walter têm muito a ver comigo, ou melhor, tinham muito a ver comigo em 1987, quando eu produzi "O Homem Ideal". Meu alter ego era Norbert, o herói inseguro e tímido da história, que se apaixona por um hetero. Naqueles tempos era uma coisa que acontecia comigo frequentemente. Com o passar dos anos, e com a produção dos meus livros, os personagens, seus interesses e mundos mudaram, e eu também.
Hoje, não posso desenhar outro Norbert porque não sou mais ele. Quero dizer que não sou mais tímido e me esforço para não me apaixonar por heteros porque as chances de sucesso são mínimas.
Folha - Comente seus trabalhos fora das HQs.
König -
Eu não tive muita sorte com os projetos que foram produzidos a partir dos quadrinhos. Houve dois filmes produzidos com atores e a qualidade ilustrativa foi comprometida por causa disso. Eu tinha esperança de que, apesar disso, os filmes fossem engraçados, mas fiquei insatisfeito com ambos.
"Der Bewegete Mann" (O Homem Mais que Desejado) foi um sucesso na Alemanha com 6,5 milhões de espectadores, mas o filme acabou sendo "pasteurizado" demais para o meu gosto e narrado a partir da perspectiva dos heteros. O protagonista não era o gay Norbert, mas o hetero Axel, e os atores não eram loucos o bastante. Muito pouco foi mantido do gibi original além dos diálogos e, no fim, acabou sendo um filme "bom" para toda a família. O segundo filme, "Kondom des Grauens" (A Camisinha Assassina), foi um fracasso de bilheteria. Eu aprendi muito com essas experiências e pretendo me manter longe dos filmes alemães. Eu perdi minha confiança nos diretores alemães.
"Kondom des Grauens" também foi um teatro de marionetes de muito sucesso. Eu fui o co-diretor, e acabou sendo mais divertido e picante do que o filme.
Tenho um desenho animado planejado, estrelado por um casal gay que tem todos os problemas imagináveis em um relacionamento. Essas histórias serão animadas para a TV. Posso até tentar de novo o teatro de marionetes, mas, no momento, quero me concentrar em meus gibis. Eu me sinto muito mais capaz fazendo isso.
Folha - O que leva você a produzir HQs? Há uma mensagem que quer levar para as pessoas?
König -
Meu principal motivo é entreter. Por trás de tudo isso, às vezes, há o desejo de levar uma mensagem, mesmo que seja a mensagem banal de que homens gays têm problemas e sonhos como os heteros e que as diferenças são mínimas. Talvez isso ajude a reduzir alguns dos preconceitos contra os gays.
Por outro lado, eu gosto de pirar algumas vezes. E se não fosse o fato de que meus personagens têm o nariz maior do que o pênis, meu trabalho provavelmente seria classificado como pornografia.
Folha - Que tipo de problemas você já enfrentou retratando o universo gay alemão em suas obras? Censura? Preconceito?
König -
Na Alemanha houve uma enorme discussão sobre minha HQ "Dicks Dödel", que acabou indo parar na mesa do Departamento para Prevenção de Literatura Danosa a Menores. A questão era se se tratava de pornografia ou arte. Foi decidido que era arte.
O debate teria acabado por aí não fosse um procurador do Estado que, ilegalmente, enviou a polícia às livrarias para confiscar todos os meus livros. O motivo é que meus quadrinhos traziam desenhos de pênis. Foi inacreditável! Mais inacreditável é que esse homem ainda está trabalhando como procurador do Estado, e sua ação ilegal não teve consequências negativas para ele.
Folha - Qual o retorno que você tem dos leitores?
König -
Às vezes eu ouço alguém se queixar de que traço um retrato falso do mundo gay porque, em meus gibis, meus personagens só pensam em sexo. Mas, quando um ilustrador "normal" ou heterossexual mostra sexo em seus quadrinhos, ele não é criticado por traçar um retrato difamatório da heterossexualidade.
Eu creio que essas críticas são resultado de um complexo de inferioridade gay, de quem não compreende o que é sátira.
Folha - Você conhece quadrinhos brasileiros?
König -
Certa vez, tive um namorado brasileiro que me mostrou uma tira diária de uma mulher que passava boa parte do tempo em uma banheira e era muito divertida (Rê Bordosa, do Angeli), mas conheço poucos quadrinhos. Eu não gosto muito de ler gibi. Prefiro desenhá-los.

Livro: O Homem Ideal Autor: Ralf König Lançamento: Via Lettera Quanto: R$ 15 (120 páginas)


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