São Paulo, Terça-feira, 15 de Junho de 1999
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DISCO LANÇAMENTO
"Luiz Gonzaga de saias" volta ao forró

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial ao Rio

"Luiz Gonzaga de saias" era o apelido dela. Quem carimbou foi ele, Luiz Gonzaga, em carne, osso e chapéu de cangaceiro. Depois de uma década sumida do grande mercado musical, a forrozeira Marinês, 63, foi reencontrada e lidera o CD-homenagem "50 Anos de Forró", de Marinês & Sua Gente.
Antes, supõe-se, "Sua Gente" eram seus acompanhantes musicais, de sanfona, zabumba e triângulo. Agora, é um elenco de convidados especiais no já tradicional formato de CD-resgate.
Cantam com Marinês, no alfabeto, Alceu Valença, a dupla de forró Antônio Barros e Cecéu, Chico César, Dominguinhos, Elba Ramalho, Genival Lacerda (sua única sugestão pessoal, ela conta), Geraldo Azevedo, Lenine, Marcos Farias (seu músico e filho), Margareth Menezes, Moraes Moreira, Ney Matogrosso e Zé Ramalho.
Quem arregimentou o elenco, produziu o disco e colocou pilha na adesão da gravadora BMG ao projeto foi a cantora Elba Ramalho, herdeira musical de Marinês.
Pernambucana criada em Campina Grande, Paraíba ("ficam essas polêmicas sobre se sou pernambucana ou paraibana, e ninguém faz nada por mim", brinca), Marinês explica a origem da "Sua Gente".
"Esse nome foi dado pelo Chacrinha, quando eu apresentava um programa antes dele na TV Tupi. Nunca me deu chance de aparecer no programa dele, mas inventou o nome. Minha gente não é uma banda, são meus fãs, meu público. Todo mundo", declara.
Recolhida a discos-coletânea minúsculos lançados de forma independente por ela própria nestes anos 90, Marinês revela-se reservatório de história da música popular nordestina pós-Luiz Gonzaga.
É ela quem conta, com um caixote de fotografias, capas de LPs, textos, projetos de discos e currículos repousados a seus pés ("este é o meu arquivo"), na sede carioca de sua nova/velha gravadora:
"Conheci Abdias (seu marido, parceiro e sanfoneiro, já morto) em Campina Grande, e de lá ganhamos o mundo. Saímos cantando em cima de caminhão, uma profissão muito pobre. A gente ganhava hoje para comer amanhã. Eu não sabia que existia sucesso, era só o sonho, a liberdade de sair de casa e cantar."
O repertório se baseava na trindade nordestina do forró -Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Luiz Vieira. "Se sabíamos que Luiz Gonzaga ia para um lugar, alugávamos o cinema e passávamos antes, tocando as músicas dele."
Nesse passo, Gonzaga acabou ouvindo falar de Marinês, que veio a conhecer em Sergipe, quando estiveram tocando na fazenda do prefeito de uma cidade do interior.
"Convidou a gente para almoçar na mesa dele, foi coisa do outro mundo. Fiquei gaga, muda, nem comi de vergonha. Foi então que ele fez o convite para irmos morar no Rio e tocar com ele. Moramos uns quatro meses na sua casa. Ele era simples, não era exagerado. A família era mais estrela que ele."
Marinês e Abdias agregaram-se ao grupo de Gonzaga. "Ele me ensinou a dançar xaxado, a tocar triângulo. Acabamos saindo do grupo por ciumeira da mulher dele. Meu marido era ignorante, bicho do mato, foi melhor sair antes que acontecesse alguma tragédia."
Aí Marinês já estava lançada -cantou até na casa de Assis Chateaubriand ("ele fazia questão, me chamava de "a cangaceirinha" ")- e chegou ao auge com seu primeiro LP, "Quadrilha É Bom" (57).
Foi quando se associou ao maranhense João do Vale e lançou alguns de seus temas mais conhecidos, como "Pisa na Fulô" e "Peba na Pimenta", retomados em 65 por Nara Leão ("ela deve ter gravado por amizade") no show-protesto "Opinião", que dividia com João do Vale e o sambista Zé Ketti.
Maliciosas, as duas canções atraíram a fúria católica. "Os padres iam para a igreja e em vez de rezar mandavam que ninguém tocasse o disco. Iam para a rua e arrebentavam meus discos. Hoje em dia eles é que gravam disco."
Dessa primeira etapa até o final dos anos 80, contabiliza 30 LPs -nunca relançados em CD. Só agora ela chega ao formato.
"Ficou um monte de gente sem gravadora -Nando Cordel, Jorge de Altinho, Genival Lacerda, até Dominguinhos. Se nem eles conseguiam, eu não ia ficar me oferecendo também. A gente ficou do lado de fora da porta."
Ela admite que as bandas do novo forró -por vezes apelidado "oxente music"- acabaram contribuindo para a volta dos representantes "de raiz".
"Eles começaram um movimento que deu certo e abriu os olhos tanto de quem fazia forró de raiz como das gravadoras. Modificaram o forró, deixaram só a sanfona, mas eu até respeito. Não é forró autêntico, então não desvirtua o forró de raiz."
Iniciativa crucial, mesmo, foi a de Elba Ramalho. "Digo que ela jogou a Marinês na mídia, com pernas de fora, plumas e paetês. Quando me levou para participar de seu show, o diretor artístico da gravadora viu e gostou. Foi a iniciativa dela, a essa altura quem ouvia falar de Marinês?", pergunta. Para quem quiser ouvir, Marinês está de volta às lojas.


O jornalista Pedro Alexandre Sanches viajou ao Rio a convite da gravadora BMG.


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