|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DISCO LANÇAMENTO
"Luiz Gonzaga de saias" volta ao forró
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial ao Rio
"Luiz Gonzaga de saias" era o
apelido dela. Quem carimbou foi
ele, Luiz Gonzaga, em carne, osso e
chapéu de cangaceiro. Depois de
uma década sumida do grande
mercado musical, a forrozeira Marinês, 63, foi reencontrada e lidera
o CD-homenagem "50 Anos de
Forró", de Marinês & Sua Gente.
Antes, supõe-se, "Sua Gente"
eram seus acompanhantes musicais, de sanfona, zabumba e triângulo. Agora, é um elenco de convidados especiais no já tradicional
formato de CD-resgate.
Cantam com Marinês, no alfabeto, Alceu Valença, a dupla de forró
Antônio Barros e Cecéu, Chico César, Dominguinhos, Elba Ramalho, Genival Lacerda (sua única sugestão pessoal, ela conta), Geraldo
Azevedo, Lenine, Marcos Farias
(seu músico e filho), Margareth
Menezes, Moraes Moreira, Ney
Matogrosso e Zé Ramalho.
Quem arregimentou o elenco,
produziu o disco e colocou pilha
na adesão da gravadora BMG ao
projeto foi a cantora Elba Ramalho, herdeira musical de Marinês.
Pernambucana criada em Campina Grande, Paraíba ("ficam essas
polêmicas sobre se sou pernambucana ou paraibana, e ninguém faz
nada por mim", brinca), Marinês
explica a origem da "Sua Gente".
"Esse nome foi dado pelo Chacrinha, quando eu apresentava um
programa antes dele na TV Tupi.
Nunca me deu chance de aparecer
no programa dele, mas inventou o
nome. Minha gente não é uma
banda, são meus fãs, meu público.
Todo mundo", declara.
Recolhida a discos-coletânea minúsculos lançados de forma independente por ela própria nestes
anos 90, Marinês revela-se reservatório de história da música popular
nordestina pós-Luiz Gonzaga.
É ela quem conta, com um caixote de fotografias, capas de LPs, textos, projetos de discos e currículos
repousados a seus pés ("este é o
meu arquivo"), na sede carioca de
sua nova/velha gravadora:
"Conheci Abdias (seu marido,
parceiro e sanfoneiro, já morto)
em Campina Grande, e de lá ganhamos o mundo. Saímos cantando em cima de caminhão, uma
profissão muito pobre. A gente ganhava hoje para comer amanhã.
Eu não sabia que existia sucesso,
era só o sonho, a liberdade de sair
de casa e cantar."
O repertório se baseava na trindade nordestina do forró -Luiz
Gonzaga, Jackson do Pandeiro e
Luiz Vieira. "Se sabíamos que Luiz
Gonzaga ia para um lugar, alugávamos o cinema e passávamos antes, tocando as músicas dele."
Nesse passo, Gonzaga acabou
ouvindo falar de Marinês, que veio
a conhecer em Sergipe, quando estiveram tocando na fazenda do
prefeito de uma cidade do interior.
"Convidou a gente para almoçar
na mesa dele, foi coisa do outro
mundo. Fiquei gaga, muda, nem
comi de vergonha. Foi então que
ele fez o convite para irmos morar
no Rio e tocar com ele. Moramos
uns quatro meses na sua casa. Ele
era simples, não era exagerado. A
família era mais estrela que ele."
Marinês e Abdias agregaram-se
ao grupo de Gonzaga. "Ele me ensinou a dançar xaxado, a tocar
triângulo. Acabamos saindo do
grupo por ciumeira da mulher dele. Meu marido era ignorante, bicho do mato, foi melhor sair antes
que acontecesse alguma tragédia."
Aí Marinês já estava lançada
-cantou até na casa de Assis Chateaubriand ("ele fazia questão, me
chamava de "a cangaceirinha" ")-
e chegou ao auge com seu primeiro
LP, "Quadrilha É Bom" (57).
Foi quando se associou ao maranhense João do Vale e lançou alguns de seus temas mais conhecidos, como "Pisa na Fulô" e "Peba
na Pimenta", retomados em 65 por
Nara Leão ("ela deve ter gravado
por amizade") no show-protesto
"Opinião", que dividia com João
do Vale e o sambista Zé Ketti.
Maliciosas, as duas canções
atraíram a fúria católica. "Os padres iam para a igreja e em vez de
rezar mandavam que ninguém tocasse o disco. Iam para a rua e arrebentavam meus discos. Hoje em
dia eles é que gravam disco."
Dessa primeira etapa até o final
dos anos 80, contabiliza 30 LPs
-nunca relançados em CD. Só
agora ela chega ao formato.
"Ficou um monte de gente sem
gravadora -Nando Cordel, Jorge
de Altinho, Genival Lacerda, até
Dominguinhos. Se nem eles conseguiam, eu não ia ficar me oferecendo também. A gente ficou do lado
de fora da porta."
Ela admite que as bandas do novo forró -por vezes apelidado
"oxente music"- acabaram contribuindo para a volta dos representantes "de raiz".
"Eles começaram um movimento que deu certo e abriu os olhos
tanto de quem fazia forró de raiz
como das gravadoras. Modificaram o forró, deixaram só a sanfona, mas eu até respeito. Não é forró
autêntico, então não desvirtua o
forró de raiz."
Iniciativa crucial, mesmo, foi a
de Elba Ramalho. "Digo que ela jogou a Marinês na mídia, com pernas de fora, plumas e paetês.
Quando me levou para participar
de seu show, o diretor artístico da
gravadora viu e gostou. Foi a iniciativa dela, a essa altura quem ouvia falar de Marinês?", pergunta.
Para quem quiser ouvir, Marinês
está de volta às lojas.
O jornalista Pedro Alexandre Sanches viajou
ao Rio a convite da gravadora BMG.
Texto Anterior: Vida Bandida - Voltaire de Souza: O charme do crime Próximo Texto: Marinês enfrenta os novos Índice
|