São Paulo, Terça-feira, 15 de Junho de 1999
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TEATRO
Dramaturgo espanhol reabre o Augusta

da Reportagem Local

Quando duas pessoas fingem ser o que não são, acontece o teatro. E em "Medéia É um Bom Rapaz", peça do espanhol Luis Riaza que estréia nesta quinta-feira em São Paulo, a arte teatral vira brincadeira de dois homens, não por acaso homossexuais.
Mais do que o assunto principal, o "teatro do teatro" é o único tema da peça, segundo o próprio autor, que participa hoje, às 19h30, de evento na Folha (leia ao lado).
O espetáculo é a primeira obra de Riaza encenada no Brasil e marca também a reinauguração do teatro Augusta, que, após dois anos de reforma, ganha nova cara.
Apesar de pouco conhecido no Brasil, Riaza, 74, é um veterano dramaturgo dos palcos espanhóis, também escritor e poeta. Nascido em Madri, começou a escrever peças há mais de 50 anos, "quando ainda acreditava ser a arte um trabalho coletivo", como disse à Folha, por telefone, da Espanha.
Numa divertida mescla entre mitos gregos e teatro contemporâneo, em especial do francês Jean Genet (1910-1986), o texto brinca com o próprio teatro ao narrar a relação ambígua entre Medéia e sua ama, na verdade um jogo entre dois homossexuais.
(ERIKA SALLUM)


Folha - Qual é o grande tema de "Medéia É um Bom Rapaz"?
Luis Riaza
- Queria fazer um trabalho teatral com os mitos gregos, para aproximá-los de nossa época. Como o resto de minha dramaturgia, "Medéia É um Bom Rapaz" está relacionada à função do teatro. É um jogo entre dois homossexuais, pois minha intenção era fazer uma espécie de denúncia do teatro enquanto necessidade de substituir a realidade. Os homossexuais têm de jogar com o que não são -exatamente a função primordial do teatro. Creio que essa é sua essência: representar o fictício para suprir uma vida da qual carecemos.

Folha - Há uma referência direta ao dramaturgo francês Jean Genet e sua "As Criadas"...
Riaza
- Sim, sou muito influenciado pela obra dele. E "As Criadas", de certa maneira, também realiza um teatro do teatro, já que as duas empregadas fazem um pouco esse jogo de representação...

Folha - Ao colocar dois personagens à espera de um terceiro, no caso Jasão, que nunca chega, não há referências a Samuel Beckett?
Riaza
- Exatamente. Apesar de admirar Genet, acredito que o autor teatral fundamental deste século é Samuel Beckett. Para mim, é o escritor mais importante da literatura dramática do século 20.

Folha - O sr. assistiu às montagens de sua peça? Existe um modo mais correto de encená-la?
Riaza
- Vi as montagens de Lisboa e Bruxelas. Em Portugal, houve dificuldades econômicas, mas foi feita com muito talento. Mas não há um só modo de montá-la: o teatro tem a vivacidade de poder ser realizado de várias maneiras.

Folha - Os dramaturgos espanhóis mais conhecidos ainda são Lope de Vega, Calderón de la Barca, García Lorca... O sr. acredita que a Espanha dá valor a seu teatro contemporâneo, mais atual?
Riaza
- Acho que a Espanha é um país especializado em enterrar os vivos e ressuscitar os mortos. O teatro, de certo modo, está sendo avassalado por meios de comunicação mais rápidos. Os jovens vão pouco ao teatro. E acho que Calderón e Lope têm agora pouco o que dizer, são autores de valores imperiais e católicos. Há que se escrever outro teatro. E o reconhecimento de um autor não chega quando ele está vivo. O artista verdadeiro não fala para seu tempo.

Folha - O sr. viveu a época de Franco. Qual a grande diferença em escrever numa ditadura e numa época democrática?
Riaza
- Sempre que se fala com um espanhol, Franco aparece (risos)! Nos tempos do ditador, escrevia-se contra a ditadura. Acredito que é mais fácil do que escrever sobre outros temas, mais relacionados com a tragédia humana permanente. Sofri muito naquele período e escrevia, dentro dos limites, em defesa da busca da liberdade. Há um ditado na Espanha que diz que "contra Franco, se escrevia melhor", pois havia motivo que nos animava a escrever. Hoje é tudo mais profundo e difícil...


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