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TEATRO
Dramaturgo espanhol reabre o Augusta
da Reportagem Local
Quando duas pessoas fingem ser
o que não são, acontece o teatro. E
em "Medéia É um Bom Rapaz",
peça do espanhol Luis Riaza que
estréia nesta quinta-feira em São
Paulo, a arte teatral vira brincadeira de dois homens, não por acaso
homossexuais.
Mais do que o assunto principal,
o "teatro do teatro" é o único tema
da peça, segundo o próprio autor,
que participa hoje, às 19h30, de
evento na Folha (leia ao lado).
O espetáculo é a primeira obra de
Riaza encenada no Brasil e marca
também a reinauguração do teatro
Augusta, que, após dois anos de reforma, ganha nova cara.
Apesar de pouco conhecido no
Brasil, Riaza, 74, é um veterano
dramaturgo dos palcos espanhóis,
também escritor e poeta. Nascido
em Madri, começou a escrever peças há mais de 50 anos, "quando
ainda acreditava ser a arte um trabalho coletivo", como disse à Folha, por telefone, da Espanha.
Numa divertida mescla entre mitos gregos e teatro contemporâneo, em especial do francês Jean
Genet (1910-1986), o texto brinca
com o próprio teatro ao narrar a
relação ambígua entre Medéia e
sua ama, na verdade um jogo entre
dois homossexuais.
(ERIKA SALLUM)
Folha - Qual é o grande tema de
"Medéia É um Bom Rapaz"?
Luis Riaza - Queria fazer um trabalho teatral com os mitos gregos,
para aproximá-los de nossa época.
Como o resto de minha dramaturgia, "Medéia É um Bom Rapaz" está relacionada à função do teatro. É
um jogo entre dois homossexuais,
pois minha intenção era fazer uma
espécie de denúncia do teatro enquanto necessidade de substituir a
realidade. Os homossexuais têm
de jogar com o que não são -exatamente a função primordial do
teatro. Creio que essa é sua essência: representar o fictício para suprir uma vida da qual carecemos.
Folha - Há uma referência direta
ao dramaturgo francês Jean Genet
e sua "As Criadas"...
Riaza - Sim, sou muito influenciado pela obra dele. E "As Criadas", de certa maneira, também
realiza um teatro do teatro, já que
as duas empregadas fazem um
pouco esse jogo de representação...
Folha - Ao colocar dois personagens à espera de um terceiro, no
caso Jasão, que nunca chega, não
há referências a Samuel Beckett?
Riaza - Exatamente. Apesar de
admirar Genet, acredito que o autor teatral fundamental deste século é Samuel Beckett. Para mim, é o
escritor mais importante da literatura dramática do século 20.
Folha - O sr. assistiu às montagens de sua peça? Existe um modo
mais correto de encená-la?
Riaza - Vi as montagens de Lisboa e Bruxelas. Em Portugal, houve dificuldades econômicas, mas
foi feita com muito talento. Mas
não há um só modo de montá-la: o
teatro tem a vivacidade de poder
ser realizado de várias maneiras.
Folha - Os dramaturgos espanhóis mais conhecidos ainda são
Lope de Vega, Calderón de la Barca, García Lorca... O sr. acredita
que a Espanha dá valor a seu teatro contemporâneo, mais atual?
Riaza - Acho que a Espanha é um
país especializado em enterrar os
vivos e ressuscitar os mortos. O
teatro, de certo modo, está sendo
avassalado por meios de comunicação mais rápidos. Os jovens vão
pouco ao teatro. E acho que Calderón e Lope têm agora pouco o que
dizer, são autores de valores imperiais e católicos. Há que se escrever
outro teatro. E o reconhecimento
de um autor não chega quando ele
está vivo. O artista verdadeiro não
fala para seu tempo.
Folha - O sr. viveu a época de
Franco. Qual a grande diferença
em escrever numa ditadura e numa época democrática?
Riaza - Sempre que se fala com
um espanhol, Franco aparece (risos)! Nos tempos do ditador, escrevia-se contra a ditadura. Acredito que é mais fácil do que escrever sobre outros temas, mais relacionados com a tragédia humana
permanente. Sofri muito naquele
período e escrevia, dentro dos limites, em defesa da busca da liberdade. Há um ditado na Espanha
que diz que "contra Franco, se escrevia melhor", pois havia motivo
que nos animava a escrever. Hoje é
tudo mais profundo e difícil...
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